São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
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Os vilões da história?

CELSO GIGLIO

Não é de hoje que os municípios aparecem como os vilões da história do federalismo brasileiro.
É um festival de acusações. Os municípios não prestam bons serviços à população, multiplicam-se feito lebres, não se esforçam para arrecadar impostos, fazem política no pior sentido da palavra, gastam mundos e fundos com o funcionalismo e vivem à custa das outras esferas administrativas.
O artigo do prof. Ives Gandra Martins (Folha, 10/8) faz coro a essas críticas. Sua tese -é preciso fazer a Federação "caber" no PIB- é aceitável. Mas, ao defendê-la, Gandra faz algumas generalizações perigosas.
Diz, por exemplo, que todos os municípios estão falidos e que a máquina pública não presta serviços à população -e, quando presta, eles são de má qualidade.
De tudo o que se diz dos municípios, talvez uma só acusação seja procedente: a proliferação desmesurada de novas unidades realmente não faz nenhum sentido.
Em vez de afirmar que, no âmbito da administração pública, ninguém faz e ninguém presta, talvez fosse mais produtivo verificar como as diferentes esferas vêm se comportando. Aí, não há comparação.
As inovações, por exemplo, nascem nos municípios. O livro "As Cidades que Dão Certo - Experiências Inovadoras na Administração Pública Brasileira" (MH Comunicação, 1997), de Rubens Figueiredo e Bolívar Lamounier, analisa iniciativas de dez prefeituras, que obtiveram excelentes resultados com a utilização de poucos recursos. Entre eles, as parcerias, o orçamento participativo, o Programa de Renda Mínima, consórcios e a participação comunitária competitiva.
Os municípios também não estão parados, à espera de que os recursos venham de mão beijada, como normalmente se apregoa.
De 1988 a 1996, a receita própria das administrações municipais cresceu 172,7%. No mesmo período, a arrecadação própria dos governos federal e estaduais aumentou bem menos: 62,3% e 36,14%, respectivamente. Ou seja, os municípios dependem cada vez mais de si mesmos.
Também se diz com frequência que a Constituição de 88 transferiu recursos, mas não encargos, para os municípios. Nada mais falso.
Está em curso, hoje, um acentuado processo de "prefeiturização": o governo federal não faz, o estadual também não, e sobra, no fim da linha, para as prefeituras.
Apesar de ficar com a menor fatia dos recursos públicos -4,5% do PIB-, o nível municipal cumpre seu papel com desenvoltura. Apenas para citar um exemplo: as prefeituras investem 7,3% dos seus orçamentos na área da saúde, contra 5,1% dos Estados.
Tudo indica que os municípios gastam menos do que os Estados com o funcionalismo. Não se conhecem dados confiáveis. Mas vemos, com frequência, nos jornais que alguns Estados têm mais de 100% de suas receitas comprometidas com o pagamento de pessoal.
É raro ver algum município que ultrapasse os 60% definidos na Lei Camata. Administrações mais enxutas chegam a gastar muito menos do que isso.
Não é por acaso, portanto, que a população reconhece o esforço das prefeituras.
Pesquisa nacional realizada pelo Ibope, em maio deste ano, a pedido da Associação Paulista dos Municípios, não deixa dúvidas. Os entrevistados, em sua maioria, reconhecem que a esfera municipal é a que presta os melhores serviços. Acham que as prefeituras devem ficar com a maior parte dos recursos públicos.
Os brasileiros não acham que os municípios são os vilões da história. Será que o povo está errado?

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