São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 1997
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Esquerda e direita viraram um Fla x Flu histórico

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não aguento mais. Ultimamente, só se fala em esquerda e direita. Vamos botar ordem nesse galinheiro. Aqui vão as diferenças. Falo do Brasil, claro.
A esquerda tem "princípios" e "fins". A direita só tem "meios"; a direita é um fim em si mesma.
A esquerda é idealista, franco-alemã. A direita é materialista histórica. A esquerda é universalista. A direita é parcialista.
Há sempre alguém à esquerda de nós. Exemplo: dentro do PT, Zé Dirceu é "de direita"; Milton Temmer é de "esquerda". No fundo, a esquerda acha que sectário é macho e que aliancista é viado.
Assim, se paralisa um partido de massas e se perde uma chance histórica no Brasil democrático. Que pena... Lula...
A esquerda sonha com o "futuro". A direita sonha com o "mercado futuro".
A esquerda é contra a social-democracia -deu em Hitler. A direita é contra a social-democracia -deu em Hitler.
Esquerda: "fora do poder tudo é ilusão". Lenin.
Direita: "fora do mercado tudo é ilusão". Soros.
A esquerda sonha com o bem. A direita sonha com os "bens". A esquerda patrulha os outros. A direita chama a radiopatrulha.
A esquerda só ama o todo. A direita só pensa na parte (sua).
A esquerda só fala no poder. Quando o tem (raramente), desdenha-o. Vide Buaiz e Buarque, futura dupla caipira. A esquerda tem medo do poder, também. Já pensaram o Tarso Genro explicando a Jader Barbalho o "orçamento participativo"?
A esquerda e direita se unem numa coisa: nunca são culpados e nunca pagam a conta, como os usineiros.
A esquerda só fala em economia e política -mas só pensa em poesia. A direita só fala em "grandeza do espírito" e só pensa em grana.
A esquerda se acha "pura" e é contra a miséria (dos outros). Nisso, a direita é mais profunda: odeia a pureza e assume a própria sordidez. É mais interessante "dramaticamente".
A esquerda é católica. A direita é luterana. A esquerda acha que há uma conspiração na História. A direita fá-la.
A direita não acredita em democracia. A esquerda também não. Muito esquerdista acha que fracassou na vida por ser de esquerda. Não lhe ocorre nunca que possa ser de esquerda porque fracassou na vida.
A esquerda não paga aluguel; a direita empresta a casa. A esquerda faz "autocrítica", para fingir que muda. A direita não faz autocrítica e muda.
A esquerda faz parte de uma comunidade de "justos", desde Spartacus, tem "companheiros". A direita tem sócios, desde Nero.
A esquerda acredita em Deus. A direita é atéia.
A esquerda é sempre "vítima": da ditadura, do neoliberalismo...
A direita nunca é culpada; mas faz os fornos.
A esquerda pensa grande, nas águias, no condor. A direita pensa pequeno nas granjas, nas galinhas (Maluf).
A esquerda é "modernista". A direita é pós-moderna. A esquerda não leu Marx, "O Capital". A direita também não, mas conhece o enredo.
A esquerda se acha "sujeito" da história. A direita acha que a história só tem "objeto": o lucro.
A esquerda é a "latifundiária da revolução"; se alguém quiser invadi-la para modernizá-la, ela responde à bala. Não quer reforma agrária em sua propriedade. Como a UDR.
A esquerda odeia o "complexo"; acha coisa de viado pequeno burguês. Já a direita usa o "complexo" do mundo para armar negócios escusos.
Muitos esquerdistas se acham melhor que nós. Diante deles, somos todos "culpados".
A esquerda ama a utopia. A direita administra o caixa. A esquerda é épica; a direita é realista.
A esquerda acha a democracia "burguesa". A direita acha a democracia "esquerda". Acabarão se encontrando numa transa sadomasoquista, no Motel Fukuyama.
A esquerda no Brasil ignora nossa "antropologia" cultural, os vícios políticos do "ranço ibérico"; a direita "é" esses vícios. Logo, a esquerda ignora a verdadeira direita. E ataca os aliados.
A esquerda precisa de psicanálise. A direita não tem cura. Ou será o contrário?
A esquerda adora idéias gerais. A direita o "cashflow". A esquerda odeia a desigualdade social. Mas odeia também as diferenças de idéias. Ou seja, a esquerda também ama, por vias tortas, a desigualdade social; sem ela, perde a função.
A esquerda se acha mais inteligente que nós. A direita o é.
A esquerda confunde "princípios" com "projeto". A direita não tem projeto; a idéia de "projeto" já é uma idéia de esquerda.
A esquerda diz: "Um dia chegaremos lá!". A direita já chegou. A esquerda só busca inimigos "fora". Devia procurar dentro de si mesma.
A verdadeira esquerda no Brasil deveria ser "autocrítica", visando o velho Brasil "endógeno", patriarcal. Mas não o faz.
O PT, única grande novidade na esquerda (nos anos 70), está se destruindo com a luta interna. Não consegue se reformar, porque acabaria chegando à idéia de um PSDB, mais crítico.
E isso seria "insuportável".
Para terminar, citando o cineasta Gustavo Dahl: "a esquerda é tudo que é profundo; a direita é tudo que é superficial". Ou deveria ser, mas, infelizmente... no Brasil... aiiii... de nós...

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