São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997
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O Golpe de Estado

MOACYR SCLIAR

Foram as eleições mais disputadas da história do Zoológico. Disputadas -e marcadas pela controvérsia. Para começar, os dois únicos candidatos eram macacos.
O leão ponderava que aquilo não era politicamente correto, que se tratava de descarado adesismo. Os candidatos tinham sido escolhidos por sua semelhança com seres humanos, que representava uma abjeta concessão à espécie que, afinal, tinha aprisionado os animais no zoológico.
A cínica hiena ria e dizia que se tratava de uma escolha prática: um macaco teria muito mais chance de conseguir com os administradores rações mais abundantes do que, por exemplo, o antipático jacaré. Afinal, os votos seriam dados pelos visitantes do zôo, cuja preferência pelos primatas era mais do que notória. O que, de novo, suscitava protestos.
Nós é que deveríamos votar, reclamava o tigre, não os seres humanos, que só vêm aqui para nos fotografar e para gozar com nosso focinho.
Os macacos, naturalmente, defendiam a forma de eleição. O povo aqui não está preparado para votar, diziam, não têm a necessária familiaridade com a democracia, é melhor confiar na elite do reino animal, que são os humanos.
A campanha eleitoral foi feroz. O maquiavelismo imperava. Os dois candidatos não poderiam ter programas de governo mais diferentes. Pipo, de 14 anos, era liberal, o jovem Paulinho (12 anos), um radical.
Pipo era a favor da globalização: o mundo hoje é um vasto zoológico, dizia. Sua prioridade: produzir vídeos dos animais e vendê-los em países ricos, para assim atrair mais visitantes. Precisamos competir com outros zoológicos, argumentava, dentro das leis do mercado.
Paulinho queria mudanças drásticas. Sugeria que todos os habitantes do zoológico invadissem o escritório do administrador e que de lá não saíssem enquanto não fossem aumentadas as quotas de alimentos.
Pipo, político experiente -era dos mais velhos no zoológico- sabia cooptar aliados. Para os jacarés, prometeu um tanque mais amplo. Para os ursos polares, gelo em abundância. E conseguiu seduzir a serpente, prometendo-lhe um papel num filme a ser rodado no zôo, tendo como enredo a história de Adão e Eva.
O clima foi ficando cada vez mais tenso. Os ânimos se exaltaram e vários choques se registraram entre os partidários de Pipo e de Paulinho.
A girafa teve um torcicolo e precisou receber atendimento de urgência. Uma arara foi hospitalizada com crise nervosa. Os visitantes do zôo já tinham medo de entrar no local. Foi aí que o Tarzan deu o golpe. Meio esquecido, ele reapareceu de repente. Declarou que, diante do caos eminente, estava assumindo o poder, e que dali em diante valeria a lei da selva.
Pipo, cauteloso, declara-se disposto a negociar. Paulinho, pelo contrário, já avisou que vai resistir, se necessário partindo para a luta. E a confusão está armada. Aguarda-se o próximo capítulo.

O escritor Moacyr Scliar escreve às quintas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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