São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997
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Intérpretes divergem sobre seus Otelos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenor russo Vladimir Bogachov, 37, crê que o papel de Otelo independe de uma boa compreensão do modo como Shakespeare concebeu o personagem. Ele interpretou pela primeira vez "Otello" há cinco anos, nos EUA, e é hoje um valor emergente na cena verdiana. Eis sua entrevista.
(JBN)
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Folha - Que importância o papel de Otelo tem em sua carreira?
Vladimir Bogachov - É de longe o papel mais importante e mais cheio de dificuldades que já interpretei. Há poucos tenores convidados para essa interpretação, e sinto-me envaidecido por estar hoje entre eles.
Folha - A dificuldade é técnica, em termos de canto, ou é dramática, a interpretação cênica?
Bogachov - A voz deve ser treinada para o papel. Se ela for um pouco mais leve, pendendo para o lírico, o lado dramático se perderá. Se, ao contrário, ela for mais pesada, "wagneriana", será impossível cantar certas passagens.
Folha - Não é também um papel que exige muita resistência física?
Bogachov - É verdade. Durante a trama, o papel não pára de "crescer". Há a necessidade de uma presença constante no palco.
Folha - "Otello" é uma tragédia shakespeariana muito densa. Seria concebível, nela, um cantor que não fosse também um bom ator?
Bogachov - Comparativamente, numa ópera como "Aida", o intérprete de Radamés pode ter pouca movimentação cênica. Não em "Otello". Cada verso é carregado de sentidos. O drama precisa ser interpretado.
Folha - A emoção, nesse papel, precisa ser explicitamente transmitida, ou, ao contrário, já há uma sobrecarga emotiva muito grande na música e no próprio libreto?
Bogachov - Depende de como eu sinto o papel em determinada montagem, como os demais papéis são sentidos por meus parceiros de cena, ou o tipo de instrução dada pelo diretor cênico. Antes de começar a cantar, eu estudei para ser ator. E uma das coisas que meus professores em Moscou me ensinaram é a repetição do mesmíssimo texto com inflexões sempre variadas. Otelo é um personagem dinâmico. Ele "muda".
Folha - Ao entrar em cena, o sr. pensa mais no compositor Verdi, no libretista Boito ou no dramaturgo Shakespeare?
Bogachov - A bem da verdade, creio que o personagem é o de Boito, e não o de Shakespeare. Boito mudou o original shakespeariano. Creio que os diretores devem se ater ao libreto. As leis da ópera são diferentes das leis do drama.

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