São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 1997
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Islandês vai à "fonte"

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O tenor islandês Kristjan Johannsson, 44, que está nos dois Otelo da temporada do Municipal, diz acreditar que é impossível compreender plenamente o papel que interpretará sem se abastecer na fonte primária, a tragédia de Shakespeare.
Ele também afirma que se trata de um personagem que exige muito mais que um bom desempenho vocal. É preciso, a seu ver, ter presença cênica impecável. Leia abaixo sua entrevista.
(JBN)
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Folha - Esta é a segunda vez que o sr. canta "Otello" (a primeira foi em Bolonha, no ano passado). Que lugar o papel tem em seu repertório?
Kristjan Johannsson - Conseguir interpretá-lo teve para mim o gostinho de um clímax em minha carreira. É um papel que exige muita competência de interpretação. Ao lado de "Falstaff", este é com certeza o maior drama jamais escrito para uma ópera. É talvez por isso que eu nunca tenha me preocupado tanto com minhas habilidades vocais.
Folha - É possível, a seu ver, que um antológico Otelo não seja ao mesmo tempo um excelente ator?
Johannsson - Os tempos mudaram muito. Nos últimos 25 anos, um número muito grande de produções são televisionadas. Ao lado do olhar do público da platéia, há também o olhar do telespectador. Isso criou um padrão de exigência, com ênfase na habilidade dramatúrgica, e não apenas lírica, do intérprete.
Folha - Se bem entendi, o sr. se sente mais shakespeariano do que verdiano ao subir ao palco.
Johannsson - Ambos fazem uma excelente dupla. Mas eu não concebo uma boa interpretação deste papel sem antes mergulhar em Shakespeare. É uma maneira de me alimentar na fonte que fez jorrar o personagem. Há em seguida o estudo muito atento do libreto. Participar de uma ação lírica é a meu ver impossível, caso não se tenha a narrativa no mínimo decorada.
Folha - Alguns cantores de sua geração, talvez pela influência de Pavarotti, acreditam que a expressão de sentimentos é mais importante que a expressão técnica.
Johannsson - Acredito que Pavarotti, um excelente "técnico" vocal, tem pouco a ver com isso. Mas acredito, ao mesmo tempo, que alguns de meus colegas dão ênfase ao emocional como forma de transmitir o recado, sem forçar muito a voz. Mas o ideal é equilibrar, em patamar elevado, tanto a voz quanto a maneira de interpretar.
Folha - Essa crítica não se aplicaria sobretudo às casas de ópera norte-americanas, com a emergência de um falso consenso de que a ópera é um instrumento artístico "emocional"?
Johannsson - É possível. Conheço encenações nos Estados Unidos que exacerbam esse aspecto, esse algo de falsidade.
Folha - Por qual maestro o sr. gostaria de ser um dia dirigido?
Johannsson - Acho que eu já cheguei a um ponto de minha carreira em que mereceria gravar com James Levine e ser dirigido em cena por Sir Georg Solti.

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