São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 1997
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"O Brasil é essa mistureba fantástica"

SÉRGIO DÁVILA E PATRICIA DECIA
DOS ENVIADOS ESPECIAIS A BRASÍLIA

Leia abaixo a continuação da entrevista com o ministro da Cultura, Francisco Weffort.

*
Folha - Se o parâmetro é o êxito, a oposição poderia se concentrar facilmente nas áreas em que o governo FHC vai mal: habitação, saúde, educação...
Francisco Weffort - (Interrompendo) Por que educação? Não é verdade. "Non è vero, non è vero" (não é verdade, em italiano). Sabe o quê? Quando você tem de propor alternativa, não genérica, mas concreta, é mais difícil. Outra coisa é que a oposição se sai bem no protesto.
Cresce parlamentarmente e eleitoralmente no protesto. Não tenho dúvida de que, por exemplo, na reforma agrária, a oposição que existe é parte de um sistema de uma mudança que está em andamento.
Está se fazendo um processo de reforma agrária nas condições em que isso é possível dentro dessa sociedade, nesta época, e a oposição cumpre um papel, por mais que não entenda o papel que cumpre.
Folha - Que partidos vêm bater na porta do MinC em busca de dinheiro?
Weffort - As diferenças político-ideológicas são muito pouco relevantes aqui. Vem gente do PT, do PTB, do PSDB, de todos os partidos. E você não distingue na conversa cultural deles qual é o partido. Você nem precisa saber, é irrelevante. As pessoas não pedem exclusividade ideológica na política cultural. Elas pedem que você desenvolva uma política pluralista.
Folha - E do PFL, vem gente?
Weffort - Aos montes também, não tem diferença. Os sujeitos pedem mais ou menos as mesmas coisas. PFL, PPB, PT, PPS, é tudo igual. Eles querem apoio para o patrimônio histórico. Para cultura popular, manifestações culturais das mais diversas. De Parintins (festa popular no Amazonas) ao Círio de Nazaré (festa religiosa em Belém, PA). Isso não tem cor ideológica.
Folha - E o cinema, tem?
Weffort - É mais elaborado, mais concentrado, mas também não tem.
Folha - Então, para o MinC, tanto faz se o sujeito recebe dinheiro para fazer um cinema de esquerda ou de direita?
Weffort - Mas isso não é problema meu, que ele faça cinema do jeito que quiser. O Brasil quer desenvolver o cinema. Você pode ter figuras conservadoras, figuras de esquerda ou figuras típicas do liberalismo. Todos querem desenvolver o cinema. Agora, o filme que o cara vai fazer eu vejo depois.
Um exemplo: nós estamos agora celebrando Castro Alves (poeta baiano, cujo nascimento faz 150 anos) e já celebramos Carlos Gomes (1836-1896, compositor de "Il Guarany"). Isso tem uma conotação ideológica? Não tem. Tem uma conotação cultural muito forte.
Nós celebramos os 170 anos (de nascimento do imperador) Pedro 2º. Não vi nenhum comentário contra em nenhum segmento da esquerda. Aliás, louve-se a esquerda, porque entendeu que Pedro 2º é parte da história do Brasil.
Nós apoiamos Zumbi (líder negro morto há 302 anos), também não vi comentário crítico nenhum na direita. O que você vai fazer? Somos isso mesmo. Essa mistura de preto, índio, monarquista, republicano, liberal, conservador.
O Brasil é essa mistureba fantástica. E há uma sensibilidade brasileira que assume isso como própria. O Fernando Henrique tem uma frase interessante: o Brasil não é apenas misturado, o Brasil gosta de ser misturado.
Folha - O sr. falou que não importa a ideologia, o filme o sr. vai ver depois. A que filmes o sr. tem assistido no cinema?
Weffort - Ah! Vejo filme todo dia na TV e esqueço 30 minutos depois. Mas um filme forte foi o "Pulp Fiction" (dirigido pelo norte-americano Quentin Tarantino). No cinema nacional, gostei muito de "O Quatrilho" (de Fábio Barreto) e "Pequeno Dicionário Amoroso" (Sandra Werneck), que vi recentemente. Um outro filme muito bonito foi aquele "Antes da Chuva"...
Folha - O que o sr. achou de "Pulp Fiction"?
Weffort - Tem um novo tratamento cinematográfico em torno do tema da violência no mundo moderno. Porque os filmes de ação já estão se gastando, não é? E esse conseguiu renovar de uma maneira muito surpreendente.
A maneira pela qual ele trabalha o tempo é diferente dos filmes normais de ação. Vi algumas reprises recentemente na TV. "A Sangue Frio", por exemplo, é tipicamente de ação, tem o tempo normal do thriller tradicional.
Aliás, é de primeiríssima qualidade, mas, se você compará-lo com "Pulp Fiction", verá que há uma tremenda mudança de tratamento cinematográfico. Impressionante.
Folha - E qual dos brasileiros recentes o impressionou?
Weffort - Ah, gostei muito do "Pequeno Dicionário Amoroso", gostei daquele "Quando os Anjos"...
Folha - "Como Nascem Os Anjos".
Weffort - Isso, gostei de "O Quatrilho", um tipo de filme leve, fácil, que merece todo o êxito que teve. É um filme de comunicação muito leve. São os que lembro.
Folha - E música?
Weffort - Como é o ano do centenário de nascimento do Pixinguinha, ouço o tempo todo. É uma figura central na música, eu o conhecia como todos conhecemos, mas, por ter de ouvir por causa da celebração, eu me surpreendi com a extraordinária riqueza dele.
Ouço também o CD com textos de Castro Alves musicados. Extraordinário.
Folha - É o Tchan, o sr. já ouviu?
Weffort - Já.
Folha - O que achou?
Weffort - Não acho que seja tão importante nem que pegue tão forte na sociedade e na cultura. São as tais modas que passam. Dá para fazer uma lista com 40 modas assim no Brasil. Eu me lembro da época em que o pessoal dançava twist. Eu estava ainda na universidade, tinha nego que quebrava o joelho dançando o twist.
O que vou fazer? É o Tchan não é no joelho, é na bunda. A menina até machucou o joelho, mas queria mostrar a bunda, entendeu? É uma bobajada, tem em todo lugar. Não sofro com isso. Não tem grande importância do ponto de vista cultural porque não pega.
Folha - Mas vende.
Weffort - Mas tem um monte de bobagem que vende. Vender não é critério. Houve uma época em que o bambolê vendia. Importante na área popular é outra coisa. Por exemplo, o Círio, em Belém, ou Parintins, no Amazonas, são manifestações culturais que vão ficar.
Que alguns gostem e outros não, são outros 500 cruzeiros, mas vão ficar. Aquilo, sim, tem uma raiz tremenda. No caso de Parintins, é a reelaboração popular de um tipo de tradição que está em todo lugar no Brasil. E também vende, no Brasil e na Europa. Não é moda passageira, tem tradição, uma raiz, força...
Folha - Quem garante que É o Tchan não vai ter tradição, raiz, força daqui a 100 anos?
Weffort - Nós temos de fazer apostas. A minha é que não vai ficar. Depois que passar essa menina aí, que dança de um jeito especial, não tenho dúvida de que o Tchan vai sumir ou vai perder importância. Se o joelhinho dela não aguentar, a música acabou.
Por que certas formas de música popular se universalizam hoje? O rock, por exemplo, que não só permanece como muda de forma. O rock tem raízes extraordinárias na cultura negra americana, que se expandem pelo mundo.
O Brasil vai além do Tchan de hoje e dos tchans que já passaram. Tem o samba, o baião, as toadas, que são do Norte, as guarânias, que são da região Oeste, são formas de manifestação musical lastreadas.
Às vezes parecem cair, mas é tudo blablablá, conversa. É como o Carnaval. Essas coisas estão aí e podem mudar, mas não terminam. São parte da cultura do Brasil. Como a música sertaneja, que, por mais que o país se urbanize, é uma memória brasileira fantástica, extraordinária.
Muda de forma, se americaniza em alguns segmentos, mas tem raiz. Agora, tem essas oscilações de superfície, como o Tchan.

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