São Paulo, sábado, 23 de agosto de 1997
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Ato de prepotência

ADEMIR ANDRADE

Mais uma vez o presidente da República sente-se senhor e dono absoluto da vontade do povo brasileiro e decide que o comércio varejista em geral pode funcionar aos domingos. Numa atitude de absoluto desrespeito ao Congresso Nacional e aos trabalhadores, o faz de maneira autoritária, por medida provisória.
O bom senso mostra que todos serão sacrificados com essa medida e que isso não gerará aumento de emprego. Os trabalhadores brasileiros, extremamente mal remunerados, se comparados aos dos países do Primeiro Mundo, farão tudo o que for possível para ganhar um pouco mais, aceitando trabalhar aos domingos para aumentarem a sua renda.
Os donos de estabelecimentos, por sua vez, numa fase em que seus comércios andam relativamente vazios, em função da escassez de dinheiro em circulação, tentarão abrir mais um dia utilizando-se dos mesmos funcionários de que já dispõem. E os próprios consumidores, em sua quase totalidade, não abrirão mão do seu dia de descanso e lazer para fazer compras.
Não compensa, portanto, de forma alguma, sacrificar o convívio familiar de trabalhadores do comércio e donos de estabelecimentos com os desgastes físico e emocional de terem que trabalhar, na maioria dos casos, sete dias por semana.
O necessário lazer, a prática de esportes, o culto religioso, a relação com os filhos, sem dúvida, estariam altamente prejudicados, porque o domingo é e sempre foi um dia sagrado para a família.
Não é abrindo o comércio aos domingos que se conseguirá aumentar empregos ou a renda do Estado, até porque normas que regem a matéria já estabelecem onde o comércio pode ser aberto neste dia: nos aeroportos, nas áreas de alimentação, farmácias, dentre outros.
Melhor faria o presidente com ares de imperador se buscasse estimular uma política de industrialização, mudando a nossa pauta de exportações, que hoje tem 70% de produtos semi-elaborados, o que de fato agregaria mão-de-obra e renda para nosso país; se revogasse a criminosa Lei Kandir, que desonerou as exportações de produtos semi-elaborados, isentando-os do pagamento do ICMS aos Estados e -ao contrário do que qualquer governo faria- desestimulando a industrialização; se fizesse a reforma agrária, diminuindo a concentração urbana, ocupando e dando vida mais digna a milhões de trabalhadores brasileiros; se estimulasse a construção civil, para aumentar a oferta de casas populares; enfim, se se espelhasse na decisão de diversos outros países do mundo, que reduziram a jornada de trabalho para 35 horas semanais, como ocorreu na Alemanha, ou 32 horas, na Holanda, ao contrário de fazer o que fez, tomando uma decisão unilateral, sem ouvir os interessados.
Até entendo que o presidente tenha o direito de pensar que é bom para os outros que o comércio abra aos domingos. Seria natural que ele expressasse o seu pensamento apresentando ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre a matéria, o que possibilitaria a ampla e democrática discussão entre comerciantes, comerciários e consumidores.
Decidir o que decidiu, da forma como decidiu, é, no mínimo um ato de intolerância e prepotência, que sem dúvida alguma terá resposta da sociedade.

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