São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997 |
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Ferimento não é a única autodestruição
LUCIA MARTINS
Para Alvaro Ancona de Faria, psiquiatra e coordenador do Projeto Borderline da Santa Casa de São Paulo, a grande maioria das pessoas que se ferem tem um passado de violência sexual ou desagregação familiar. A "quebra do vínculo" na infância, como descreve o médico, cria um indivíduo que, ao mesmo tempo, não consegue se relacionar com o mundo (namoros, trabalho etc.), mas que vive com uma expectativa desesperada de construir "esse vínculo". "São pessoas que se apaixonam muito rápido e que criam uma imagem irreal do outro. Encontram o primeiro na esquina e, no outro dia, acham que é o príncipe encantado. 24 horas depois, mudam de idéia. São muito instáveis." A automutilação normalmente está sempre associada a outros comportamentos autodestrutivos. Essas pessoas normalmente também sofrem de anorexia, são compulsivas por sexo, drogas ou álcool, compram demais ou dirigem perigosamente. "As tentativas de suicídio também são comuns. Mas elas não querem realmente se matar, apenas deixar outras pessoas se sentindo culpadas", diz Faria. Ele cita uma paciente que, toda vez que o namorado tenta acabar o relacionamento, ela se corta com uma gilete e mostra para ele. Segundo a chefe do ambulatório do serviço de psiquiatria da infância e adolescência do Hospital das Clínicas (São Paulo), Maria Cristina Ferrari, a autodestruição está diretamente ligada à vontade de extirpar a culpa. "São crianças que se acham más. Quando alguma coisa ruim acontece, elas pensam que a culpa foi delas." Ela cita um exemplo de um paciente que se arranhou todo aos 9 anos porque era considerado muito bangunceiro e se sentiu culpado quando a mãe ficou doente. Faria concorda. "São pessoas que acham que são 'do mal', acham que todas as coisas ruins que aconteceram em suas vidas foram causadas por elas mesmas." Para o presidente do comitê multidisciplinar de adolescência da Associação Paulista de Medicina, Wimer Botura, a automutilação é causada porque as pessoas "não sabem lidar com a raiva". "Elas vertem para dentro. O ideal é que elas usem a raiva em atividades criativas." Debate - Na próxima quarta-feira, a Santa Casa de São Paulo promove um debate sobre "distúrbio de personalidade borderline", às 20h45, com Marco Chiesa, do The Cassel Hospital, um centro especializado da Inglaterra. A entrada custa R$ 25,00, e o endereço da Santa Casa é rua Dr. Cesário Motta Júnior, 112, Santa Cecília Texto Anterior: Autoflagelação precede o punk Próximo Texto: Vocalista do Ira! se cortava durante as apresentações Índice |
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