São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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"Normótico" busca calma na mutilação

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

Andrei desenhou um A, de anarquia, no braço esquerdo com uma faca. Aran carregava alfinetes pregados nas roupas e picava os braços quando ficava nervoso. Nasi quebrava copos de uísque nas mãos e batia a cabeça no bumbo quando fazia shows.
Como a princesa Diana e o ator Johnny Depp, os três se aproximam do perfil da vítima de "desvio de personalidade borderline", uma doença diagnosticada pela primeira vez em 80 (após a explosão punk e a febre das tatuagens) e que começa a preocupar médicos brasileiros.
Tanto que, no início deste ano, a Santa Casa de São Paulo (região central da cidade) criou o Projeto Borderline, um grupo de estudo e tratamento especializado nesse tipo de doença.
"É uma maneira superespecífica de sofrer. Tem gente que consegue expressar os sentimentos gritando, outras guardam e se machucam", diz o tradutor Andrei Soares, 24, que começou a se cortar aos 14 anos e hoje tem cicatrizes nos ombros, pernas e braços. Todas elas foram feitas com facas, garrafas e giletes.
Surgimento
O comportamento auto-agressivo geralmente surge na adolescência e se torna um hábito. Toda vez que ocorre uma grande frustração ou irritação na vida dessas pessoas, elas se ferem.
Mas, ao contrário dos psicóticos ou esquizofrênicos que também frequentemente se machucam, eles o fazem conscientes. São os chamados "normóticos", os normais neuróticos.
As explicações mais comuns dos especialistas para as auto-agressões são duas: ou eles querem gerar sentimento de culpa ou evitar agredir outras pessoas.
15 furos
O músico Aran Brandão, 18, diz que passou a maior parte do ano de 1995 se alfinetando. Resultado: hoje ele tem 15 furos em cada braço. "Não é nada premeditado. Lembro uma vez que tive um problema com a banda. Saí da casa onde estava ensaiando, sentei na calçada e comecei a me picar até sangrar muito. Depois de uma hora fazendo aquilo, a raiva passou."
A explicação médica para esse tipo de comportamento é quase sempre a mesma, diz o psiquiatra Alvaro Ancona de Faria, coordenador do Projeto Borderline.
São pessoas que tiveram algum "rompimento de vínculo na infância", isto é, sofreram alguma perda ou violência, como desagregação familiar ou abuso sexual.
"Nos dois casos, eles se sentem culpados e se punem", diz Wimer Botura, psiquiatra e presidente do comitê multidisciplinar da adolescência da Associação Paulista de Medicina.
Os médicos alertam que, mesmo os casos de autodestruição mais leves, devem ser tratados para evitar que eles se tornem realmente perigosos. O tratamento mais indicado e eficaz é a psicoterapia.

LEIA MAIS sobre as pessoas que sofrem da síndrome de borderline na página 4

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