São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Encol girava dinheiro no estilo "bicicleta"

GABRIEL J. DE CARVALHO
DA REDAÇÃO

Deixando de lado supostos desvios e irregularidades, a virtual falência da Encol é atribuída no mercado a dois fatores: 1) descontrole gerencial a partir do gigantismo da empresa; e 2) engenharia financeira que, a exemplo de uma bicicleta, só se mantém de pé se nunca parar de pedalar.
Não se tem notícia, no Brasil, de construtoras com escala nacional. A Encol, originária de Brasília e Goiás, estendeu suas atividades por quase todo o país. Como controlar 60 filiais e 700 empreendimentos ao mesmo tempo?
Por mais que a direção da empresa fosse competente do ponto de vista administrativo, não dava para estar em vários locais ao mesmo tempo. A avaliação no mercado é que não há quadros preparados e confiáveis para tal escala.
Outras grandes empresas do setor, mesmo com chances de crescimento, se recusam, por exemplo, a sair do eixo Rio-São Paulo.
Há consenso de que um dos avanços da Encol foi seu laboratório de normas técnicas e construtivas, que encontrou fórmulas para baratear a construção. Essa vantagem, entretanto, acabou sendo anulada pela má gestão financeira e pelo descontrole gerencial.
A "bicicleta" da Encol consistia em utilizar, no empreendimento 2, recursos pagos por compradores do edifício 1. Com lançamentos sucessivos, isso virou uma ciranda cada vez mais veloz.
A partir do Plano Collor, com o bloqueio dos cruzados novos, os bancos também pararam de financiar, o que acertou em cheio a "bicicleta". Obras começaram a atrasar, e os compradores, a pressionar. Sem financiamento, a saída era continuar "pedalando", com novos lançamentos.
O dinheiro que entrava, mesmo para prédio ainda no chão, era dirigido para obras mais adiantadas.
Na busca de fazer caixa, a gestão financeira da Encol foi a níveis de verdadeira "piração", comenta-se no mercado.
A empresa chegou a trocar apartamento por pães que uma padaria forneceria para seus operários. Em outros casos, pagava, em imóveis, transportadoras de cimento, materiais etc. para obras do grupo.
Oferecia desconto para que o comprador antecipasse o pagamento de prestações. Não tem? Venda o telefone, o carro, era o conselho dado pela empresa a mutuários.
Houve casos de descontos do tipo "pague três e leve quatro" (no caso, prestações), o que, segundo executivos do setor, equivale a 25%, ou toda a margem de lucro que se pode ter num empreendimento residencial.
A Encol chegou a oferecer 20% de futuro prédio ao dono do terreno. Esse percentual, considerado elevadíssimo, chegou a inflacionar o mercado de terrenos.
Alguma sobrevida veio com a venda, para o fundo de pensão dos funcionários da CEF, de um prédio para hotel no espigão da av. Paulista, em São Paulo. Depois, a Encol saiu do negócio até como simples construtora.
Com essa ficha, a empresa só podia quebrar. Os compradores, pelo visto, a conheceram tarde demais.

Texto Anterior: Compradores fazem nova campanha
Próximo Texto: A privatização da política salarial
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.