São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Busca de resultados pode prejudicar pesquisa em genética

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em reportagem publicada na "Time", Christine Gorman indaga se a geneterapia parou. Ela descreve o ambiente dos profissionais interessados nessa área ao verificarem que dos 600 pacientes envolvidos nos 100 ensaios clínicos com essa técnica nenhum até hoje foi curado ou apresentou melhoras, o que significa que os genes normais não conseguiram se implantar nem se expressar.
Na geneterapia, os pacientes com doença hereditária recebem genes normais, na expectativa de que estes possam se manifestar normalmente, superando os efeitos dos genes anormais de que são portadores. O processo envolve três dificuldades fundamentais: a maneira de inserir o gene normal, a penetração deste na célula e sua incorporação ao genoma no núcleo. Por menores que sejam os genes inseridos, não deixam de ser matéria estranha e, assim, de enfrentar os mecanismos imunológicos de defesa, que causam rejeição.
Para o transporte dos genes do laboratório para o paciente, várias técnicas têm sido propostas. Mas a mais comum consiste no uso de um vírus, ao qual se incorpora o gene que se pretende inserir, e na aplicação do vírus (depois de atenuado) no paciente. Dentro do paciente, o vírus chega até o núcleo e infecta cromossomos. Como o vírus-vetor costuma ser um retrovírus (da mesma categoria que o HIV) e é altamente mutável, há sempre o risco de sobrevir mutação e câncer, uma vez penetrado no núcleo.
O malogro (assinalado em artigos do "New England Journal of Medicine") ocorrido em tentativas de aplicar a geneterapia à fibrose cística e à distrofia muscular, acentuou o desalento e reacendeu debates sobre as causas do malogro de um processo que teoricamente deveria funcionar.
Alguns atribuem o fracasso ao açodamento em realizar os ensaios clínicos antes do estudo aprofundado de cada caso, talvez por pressão dos financiadores dos projetos. Por trás dessa história científica há uma verdadeira corrida financeira e comercial.
Essa pressão pode prejudicar as experiências pela quebra do rigor necessário e pela pressa na passagem do experimento de laboratório para o ensaio clínico. Essa passagem, nos casos conduzidos com o máximo rigor, envolve muita experiência em voluntários antes do ensaio clínico propriamente dito.
No meio de todo o desalento e de toda a confusão surgiu, porém, um raio de esperança em artigo publicado em "Nature Medicine" por Donald Kohn, que parece ter obtido êxito em três bebês que foram injetados com gene normal no sangue do próprio cordão umbilical, provavelmente numa fase em que as defesas imunológicas não estavam ainda completas. A doença é uma deficiência imunológica causada pela escassez ou falta de uma enzima, a adenosina-deaminase.
Nos bebês em que se aplicou a geneterapia ocorreu expressão, isto é, manifestação dos genes normais, o que significa a possibilidade de os bebês se desenvolverem normalmente. Certos pesquisadores, inclusive o diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, salientam que a pressa em obter resultados retumbantes talvez haja levado, em certos casos, ao abandono da pesquisa básica, que é fundamental.

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