São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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Natal sem morte

GILBERTO DIMENSTEIN

Num restaurante em frente ao mar da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, em volta de uma mesa com frutos do mar grelhados e vinho branco, nasceu na quinta-feira passada um projeto para mudar a comemoração do Natal no Brasil.
Se for bem-sucedido, pode ganhar a atenção mundial, transformando-se em inédita experiência.
O projeto: mobilizar governo, associações comunitárias, empresários, sindicatos, religiões, profissionais liberais, publicitários e meios de comunicação sob o lema "Natal sem morte".
A idéia é ambiciosa e, como toda idéia ambiciosa, pode resultar em algo genial ou em bobagem.
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Utilizando o simbolismo de paz e harmonia do Natal, o movimento já nasce com dois apoios de peso: o secretário nacional de Direitos Humanos, José Gregori, e o coordenador do Movimento Viva Rio, Rubem Cesar, além de Rodrigo Baggio, que dirige programas de cidadania nas favelas cariocas.
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Do encontro, saíram sugestões geniais para o combate à violência -a maioria delas viável.
Seriam organizados nos bairros periféricos e regiões pobres, onde se concentram os conflitos, torneios esportivos, shows de música ou circo.
Num carnaval antecipado, escolas de samba desfilariam vestidas de branco.
Escolas, igrejas e associações de bairros promoveriam atividades, buscando apoio dos moradores.
As entidades fariam, por exemplo, um acordo com donos de bares para que ficassem de olho em seus fregueses, evitando brigas por excesso de álcool.
A idéia é que cada indivíduo se sinta responsável pela segurança pública.
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É uma operação complexa, óbvio.
Envolve desde melhor policiamento nas ruas até campanhas para que motoristas não bebam, provocando acidentes.
O respeito às leis de trânsito seria intensificado nas cidades e nas estradas.
Alguns anos atrás, um movimento como este seria inútil.
O que mudou?
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Com a redução da crise econômica, cresce a importância da agenda social.
Mais importante, espalham-se pelo país movimentos de cidadania e combate à violência, como a campanha pelo desarmamento liderada pelos estudantes.
Vejam a polêmica causada pela punição dos assassinos do índio Galdino. Há uma comoção no país para que o crime não fique impune, detonando um acalorado debate jurídico.
Aconteça o que acontecer no caso Galdino, a mensagem está dada: a vida humana deve ser respeitada, e os criminosos, a polícia e a Justiça ficarão expostos às pressões da opinião pública.
Portanto, existe hoje no Brasil clima para um projeto tão ousado quanto este de combate à violência, nascido à beira-mar.
Sinal promissor: apenas um dia depois do encontro no Rio, o movimento Viva o Centro, de São Paulo, patrocinado por bancos e sindicatos, já tinha aderido ao "Natal sem morte".
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Claro que esse projeto não resolverá sozinho a tragédia da violência. Mas tem tudo para transmitir a sensação de que a sociedade não vai continuar intimidada, vai partir para a ofensiva. É como se, de repente, os homens e mulheres de bem deste país resolvessem sair da toca.
Seria um excelente começo.
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PS - O Brasil precisou fazer campanhas e mais campanhas, planos e mais planos econômicos para derrubar a inflação. Deu certo não só por obra de técnicos iluminados, mas principalmente porque a sociedade resolveu dar um basta.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail gdimen@aol.com

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