São Paulo, domingo, 24 de agosto de 1997
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A maçaneta e o maçarico

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Um amigo próximo de um governador de São Paulo (biônico) lhe perguntou, certa vez, por que gostava tanto de ser governador.
Resposta, de absoluta franqueza: "Você sabe lá o que é passar quatro anos sem precisar nem sequer pôr a mão na maçaneta da porta?" (porque sempre há um aspone incumbido de abrir e fechar portas para os governantes).
Suspeito que Fernando Henrique Cardoso está francamente tomado pela "síndrome da porta", até porque, como senador desde 1982, ministro e, agora, presidente, já lá se vão 15 anos em que não toca a maçaneta.
Não precisar abrir portas nem é a maior das facilidades. O poder acaba isolando seus ocupantes de todas as outras grandes ou pequenas atividades cotidianas, o que, no limite, leva a tomar as facilidades como inerentes à condição humana e não um privilégio dos VIPs.
Interlocutores relativamente recentes do presidente, mas que não figuram entre os habituais de seu círculo íntimo, contam que FHC parece estar nessa fase, a de descartar como improváveis ou até impossíveis certas facetas mais desagradáveis da vida para quem é obrigado a pôr diariamente a mão nas maçanetas.
É até compreensível. Não creio que o presidente tenha tempo para ler detidamente os jornais, que, com todas as suas falhas, acabam sendo um microrretrato do mundo real. Mesmo que tivesse tempo, suspeito que diria que os jornais não são confiáveis.
Suspeito também que escasseiam, nas cortes, personalidades com força (e coragem) suficiente para dizer ao presidente: "Companheiro, que besteira que você fez (ou disse) hoje, hein".
Ainda mais quando se impõe silêncio monástico ao único membro da corte (o ministro Sérgio Motta) que funciona como uma espécie de maçarico ambulante, tenha ou não razão. É preferível um maçarico, até quando não tem razão, do que uma pilha de aspones a abrir todas as portas.

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