São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As derrotas silenciadas

JANIO DE FREITAS

Os meios de comunicação conseguiram, por unanimidade, evitar a denominação e o tratamento apropriados para o que aconteceu ao governo e à diplomacia brasileiros, mas não puderam aliviar a natureza do fato: Estados Unidos e Argentina infligiram duas derrotas pesadas ao Brasil, cujo conceito nas relações mundiais, bastante razoável, foi necessariamente muito afetado.
Ao agraciar a Argentina com a ressuscitada condição de "aliado estratégico e especial", sem que houvesse razão para distinguir assim um país dentre os latino-americanos mais importantes, o que o governo dos Estados Unidos fez, na verdade, foi diminuir o Brasil. Gesto inseparável da imediata atitude de Carlos Menem, situando a Argentina em oposição pública à inclusão do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.
De nada valeram os serviços prestados por Fernando Henrique Cardoso a Bill Clinton, como o Sivam e as quebras dos monopólios estatais que o levaram a telefonar ao presidente americano, para a pronta notícia de cada atendimento ao reclamado pelos Estados Unidos. Pelo visto, o ex-ministro do Exterior e o ministério idem desconhecem que, nas relações internacionais, o que motiva apoios, por exemplo para entrar no Conselho de Segurança, é a conveniência de conquistar alianças ou outros benefícios. Serviços prestados já estão prestados, e potência nenhuma se ocupa de retribuições nem gratidão.
A clareza do objetivo americano, elevando a Argentina a liderar a oposição latino-americana ao projeto do Brasil, não foi suficiente para sugerir ao governo brasileiro alguma manobra para esvaziar, na pauta dos presidentes e ministros reunidos no fim-de-semana em Assunção, o tema do Conselho de Segurança. Pelo contrário, Fernando Henrique e o seu ministro Luiz Felipe Lampreia insistiram no assunto. Veio, claro, a inevitável segunda derrota, realçando mais a Argentina e ampliando a diminuição do Brasil.
Parece que ainda insatisfeitos, Fernando Henrique e Lampreia não se despediram dos vitoriosos sem antes apresentar-lhes, e à própria ONU, a criação de duas vagas para latino-americanos no Conselho de Segurança, em vez de uma. A partir daí, na condução incompetente do episódio sobressaiu um componente: o masoquismo.
Nem por isso os acontecimentos precisavam ficar sem sua caracterização adequada, e indispensável na função jornalística, de derrotas do Brasil.

Texto Anterior: TSE avalia se é necessária a saída de governadores
Próximo Texto: Relator quer votação nominal do texto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.