São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Servidora do Rio acusa comerciante de racismo

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

A funcionária pública Célia Regina Nascimento de Sales, 23, tem amanhã a primeira audiência na Justiça para tentar provar que sofreu discriminação racial por parte do comerciante Luís Ramos, 54.
No início do mês, Célia Regina esteve na loja do comerciante, em Belford Roxo (município da Baixada Fluminense), para provar um short de R$ 9,99. Célia Regina diz que, quando estava na cabine, ouviu o comerciante dizer à sua mulher que proibisse negros de provar roupas na loja.
"Ele disse que não queria nenhum negro provando roupa ali, porque negro tinha um odor muito forte debaixo do braço. Disse que, se todo negro que entrasse ali ficasse provando roupa, ele teria que mandar uma pilha de roupas para o orfanato", afirmou.
Segundo ela, a mulher do proprietário, Jandira Ramos, lhe deu um desconto de R$ 0,99 no preço do short, alegando não ter troco para uma nota de R$ 50. "Disse a ele que sou preta, mas sou limpa, e que R$ 0,99 não iam me calar."
A funcionária pública procurou a 54ª Delegacia Policial (Nova Iguaçu), que registrou o caso como injúria (ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém).
Foi também ao Ceap (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), organização não-governamental que oferece assistência jurídica gratuita.
Os advogados do Ceap tentarão mudar a acusação para injúria qualificada, o que pode ampliar a pena máxima para até três anos de prisão. Gustavo Proença, advogado do Ceap, disse que uma das dificuldades das ações por racismo é conseguir que as delegacias registrem a queixa como tal.
"Por desinformação, normalmente os casos são registrados como injúria. No caso dela, houve racismo mesmo, e racismo é crime punido em lei", afirmou.
Desde que o serviço jurídico foi criado, há pouco mais de um ano, já recebeu cerca de 40 reclamações de discriminação racial. Há 20 processos em andamento.
Grupos ligados ao movimento negro estão organizando uma manifestação de apoio à funcionária pública em frente ao prédio do 2º Juizado Especial Criminal de Nova Iguaçu, onde haverá a audiência.
Sem discriminação
A mulher do comerciante Luís Ramos, Jandira Ramos, 52, atendeu Célia Regina na loja e disse que seu marido não discriminou a funcionária pública nem se referiu à cor ou ao odor de sua pele.
Segundo Jandira Ramos, seu marido reclamou que outro cliente, muito suado, provara uma camisa e que a roupa ficara com cheiro de suor. Ela disse que o cliente era "mulato bem claro".
"Ele só disse que gente suada não podia provar roupa e pediu que eu não colocasse a blusa na prateleira porque estava com cheiro ruim. Ele não se referiu a gente negra ou branca", afirmou.
A comerciante disse não saber por que Célia Regina decidiu levar o caso à Justiça. "Esta moça resolveu desestruturar nossa vida e está conseguindo. Não quis ofendê-la." O comerciante foi procurado, mas não estava em casa.

Texto Anterior: Corpo de George Durst é cremado; Legista divulga laudo sobre chupa-cabra; Unicamp adia venda de manual do vestibular; PM de Minas apreende 1 t de maconha
Próximo Texto: Folha debate combate à violência na quinta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.