São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
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Veneza explora visão britânica de traumas de guerra

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

O drama antibelicista "Regeneration" (Regeneração), de Gillies Mackinnon, abriu em tom baixo o ciclo paralelo "British Renaissance" (Renascimento Britânico) do Festival de Veneza.
O privilégio deveria ter sido reservado a um título mais forte, como se anuncia o "Wilde" de Brian Gilbert.
O plano inicial resgata, para as gerações de conflitos assépticos e virtuais como a Guerra do Golfo, a materialidade dos conflitos de trincheira da Primeira Guerra Mundial.
Sangue, suor e lama adubam o solo. Do front franco-germânico, o foco salta para um pacato hospital psiquiátrico em Edimburgo (Escócia), especializado em traumas de guerra.
"Nascido para Matar", de Kubrick, devassa a formação do soldado. "Platoon", de Stone, mimetiza o cotidiano da guerra -no caso, do Vietnã.
"Regeneração", em nível menos elevado, concentra-se nas sequelas psicológicas da experiência bélica.
Jonathan Price (o Peron de "Evita") interpreta o doutor Rivers, psiquiatra de vanguarda, um adepto de Freud num campo ainda dominado por cultuadores do eletrochoque.
O filme, adaptado de um romance de Pat Barker, destaca a relação dele com dois pacientes principais, o poeta Sassoon (que realmente existiu) e o soldado Fryer.
Sassoon, apesar do peito cheio de medalhas, é internado ao lançar um manifesto crítico à condução da estratégia britânica.
Mais grave é o caso de Fryer, que chega ao hospital sem fala e sem memória.
Personagens expostos, formando uma espécie de combinação de "Johnny Vai à Guerra" com "A Montanha Mágica", "Regeneração" gira em falso e não chega a embalar.
Mackinnon não parece ambicionar ir além de um bom telefilme da BBC (aliás, um dos co-produtores). Acaba nem chegando lá.
Pretensão já não é o problema de "Affliction" (Aflição), de Paul Schrader ("Mishima"), exibido ontem dentro da mostra paralela Mezzanotte (Meia-noite).
O ponto de partida é o romance homônimo de Russell Banks, o mesmo autor consagrado em Cannes-97 com a versão de "The Sweet Hereafter" rodada pelo egípcio-canadense de origem armênia Atom Egoyan.
Russel Banks retrata pequenas comunidades americanas, em geral igualmente vulneráveis a tempestades de neve e catástrofes familiares.
Paul Schrader e Atom Egoyan optaram por tratamentos polares desse mesmo universo. "Afliction", por exemplo, é seco, direto, alicerçado sobre cenas longas e tensas.
"The Sweet Hereafter", por outro lado, aposta no expressionismo e na fragmentação.
Nick Nolte ("Sob Fogo Cerrado") carrega "Affliction" nas costas como o policial fracassado Wade Whitehouse.
A garrafa é a grande companheira desse pai relapso, ex-marido medíocre e desastroso profissional.
Sua trágica última aventura, catalisada por misteriosa morte durante uma caçada, é contada por seu irmão menor.

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