São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
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Nada de preocupação, seja feliz

JOSÉ SARNEY

O furacão econômico que varre a Ásia caminha com ventos fortíssimos, muita chuva e mar revolto. As Bolsas de Valores caem e com elas as expectativas de lucros constantes. Todos estão em alerta.
O Brasil começa a raciocinar com realismo, fora do obaoba. Não será escondendo as dificuldades que iremos conjurá-las. Ao contrário, é tomando consciência delas que iremos encontrar soluções e evitar desastres. Acredito que está fora de cogitação qualquer desvalorização do câmbio, mas que ele constitui, com a balança comercial e a taxa de juros, uma armadilha em que caímos e da qual não podemos fugir é claro e evidente.
As providências do Banco Central entrando forte no mercado de dólares e assegurando que estamos dispostos a bancar qualquer especulação é uma maneira correta de evitar que ela aconteça. Temos reservas cambiais que asseguram o nosso cacife.
Aí, a meu ver, não residem as nossas vulnerabilidades, embora elas possam acontecer. Os números com o desemprego assustam muito mais, porque é uma tendência irreversível. O IBGE divulga uma estatística que faz correr um frio na espinha. "De 1989 a 1995, de cada dez novas ocupações, apenas duas são assalariadas e oito não assalariadas". Por outro lado, o IBGE divulga que a taxa de desemprego em São Paulo é de 15,7%, com 1,37 milhão desempregados.
O Ibope, numa pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústria, publicada nos jornais, diz que o que mais preocupa o brasileiro (64% da população) é o emprego, vivendo todos com a angústia de perdê-lo. Para engordar as estatísticas ruins para os mais pobres, o Dieese divulga que a renda dos pequenos produtores caiu em 13,6% em relação a 1996.
Madame Thatcher, ideóloga, com Reagan, dos modelos do neoliberalismo, e que agora quer que suas idéias sejam ensinadas numa cátedra de Cambridge, deve achar certo, já que afirmou que "se o desemprego aumenta, estamos no caminho certo". Esse modelo começa a fazer água, com profundas contestações, algumas delas vitoriosas eleitoralmente, a exemplo de Blair, na própria Inglaterra, e Jospin, na França.
O que o thatcherismo gerou? A perspectiva de um Estado fraco e o desemprego. Menos Estado e menos emprego, além de uma distribuição de renda cruel, em que 70% do aumento de renda familiar foi para 1% da população. Esses dados são espantosos. Uma sociedade dessa não pode sobreviver, e esse exemplo não podemos seguir.
O Brasil não pode aderir a esse modelo que nos traz grandes e graves consequências. É certo tirar o Estado de áreas que não são dele. Sou a favor das privatizações. Elas são necessárias, constituem um meio, que é melhorar a qualidade do Estado, e não um fim, como querem os neoliberais. Vamos equilibrar as contas públicas, mas não devemos acabar com os empregos.
A caminharmos nessa rota, vai acontecer aquilo que Galbraith dizia que era o fato de criar o conforto mais desconfortável da história da humanidade. A não ser que adotemos a postura que, segundo dizem, adotava Bush, cantando uma canção de Bobby McFerrin: "Don't worry, be happy (nada de preocupação, seja feliz).

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