São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 1997
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Cem anos de nacionalismo judaico

JAIME PINSKY

Já se disse que o problema entre israelenses e palestinos ocorre porque lá há história demais e terra de menos. Enfrentamentos geram paixões que cegam a razão, elaboram mocinhos e bandidos, simplificam os argumentos e escondem as verdades.
Talvez o centenário do sionismo, que ocorre hoje, seja uma boa ocasião para pensar no que teria gerado esse movimento nacional judaico.
Há exatos cem anos Theodor Herzl abria o 1º Congresso Sionista, na cidade de Basiléia, na Suíça, dando início ao chamado sionismo político.
Em sua principal obra, publicada um ano antes, "O Estado Judeu", Herzl esboçava o cenário, indicava os atores e detalhava as ações que deveriam ser executadas para que o movimento atingisse seus objetivos. Por conta disso ele é considerado verdadeiro proto-herói da pátria e grande inspirador do atual Estado de Israel, que existe desde 1948. Por outro lado, para certos círculos políticos, o sionismo seria apenas mais uma ideologia colonialista.
Teria mesmo Herzl sido um "ponta-de-lança do imperialismo"? Ou um fanático religioso, preocupado em possibilitar o retorno do "povo eleito" ao "solo sagrado"? Ou ainda um histérico militante antiárabe?
Nada disso. Foi um jornalista vienense para quem o judaísmo tinha somente o gosto do peixe recheado feito pela avó nas festas tradicionais. Seu papel histórico só pode ser explicado a partir da condição da população judaica na Europa Oriental e de um episódio específico de anti-semitismo na França, o Caso Dreyfus.
A situação dos judeus era dramática na Europa Oriental (especialmente em regiões de grande densidade populacional judaica, como as atuais Polônia, Lituânia, Belarus, áreas ocidentais da Rússia etc.) na segunda metade do século passado.
A especificidade do desenvolvimento do capitalismo na região acabou por levar a população ao desemprego, ao subemprego e à miséria. Os judeus ainda funcionavam como bodes expiatórios da massa manipulada pelo czarismo. Assim, os judeus tinham que somar à miséria o anti-semitismo.
Poucos deles enriqueciam e, quando isso acontecia, frequentemente buscavam escapar do grupo pela negação do judaísmo e até pela compra de títulos de nobreza. A maioria, porém, dependia de ajuda para sobreviver e caminhava com suas longas barbas, chapéus e paletós escuros e surrados, em busca de uma solução milagrosa para os seus problemas.
É humano e compreensível que os judeus mais ricos e ocidentalizados não quisessem ser identificados com esses miseráveis. Não é menos humano e compreensível, porém, que os miseráveis tentassem sair de suas cidadezinhas de origem e buscassem um trabalho, qualquer trabalho, nas cidades maiores da Europa Oriental ou mesmo na Ocidental.
Nesse movimento gerava-se uma tensão: de um lado, os judeus emancipados e burgueses tentando demonstrar quão emancipados eram, quão pouco de judaísmo lhes restava e quão leais súditos eram de seus governantes. Por outro lado, os miseráveis chegando e solicitando ajuda de seus correligionários em nome dos laços milenares que supostamente uniam a todos. E, pairando sobre todos, os burgueses não-judeus tentando desqualificar os judeus burgueses, alijando-os de cargos importantes em nome de uma pretensa "essência judaica", que não lhes permitiria ser bons cidadãos russos ou franceses.
O Caso Dreyfus, em que um capitão francês de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi julgado, condenado e preso injustamente por traição, num complô anti-semita evidente, deu ao jovem Herzl, correspondente em Paris, a certeza de que um Estado Nacional judaico era fundamental.
Tão pouco ligado ao imaginário judaico estava Herzl que, de início, idealizou esse Estado em qualquer lugar, África ou América, não necessariamente no local que despertava a imaginação dos mais tradicionalistas, a Terra Santa, Jerusalém. Só mais tarde, orientado por judeus da Europa Oriental, é que percebeu não ser viável despertar o interesse da população propondo qualquer lugar alternativo.
Herzl dizia textualmente querer resolver o problema dos judeus mais pobres. Era para eles, em primeiro lugar, que o Estado deveria ser construído. Com isso, ele esperava solucionar dois problemas: o dos próprios miseráveis e, mais importante, o dos judeus emancipados.
Ele tinha a ilusão de que, sem a incômoda presença dos miseráveis nas cidades e nas consciências dos judeus ocidentalizados, estes nunca mais seriam perseguidos. Hitler e o nazismo viriam desmenti-lo, de maneira trágica. Mas, ironia da história, foi exatamente o genocídio judaico que gerou condições para o surgimento do atual Estado de Israel, a materialização do sonho de Herzl.

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