São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997
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Virei aluno da escola dos meus filhos

GILBERTO DIMENSTEIN

Vivendo na fronteira do empobrecido bairro do Harlem, em Nova York, um grupo de pais não se conformava com a qualidade das escolas públicas das redondezas.
Nem via alternativa para seus filhos, exceto instituições particulares, com uma mensalidade proibitiva de R$ 1.300.
Eles decidiram, há cinco anos, colocar no papel o projeto de uma escola pública, onde os alunos aprendessem como aprender -e não apenas memorizassem informações.
O currículo deveria perseguir o prazer da curiosidade; os professores treinados para transformar curiosidade em informação, informação em entendimento.
A diversidade cultural do bairro, dividido entre negros e hispânicos, seria fonte de aprendizado, orientado pela reverência à ética e à justiça social.
Descobrir a comunidade seria descobrir o mundo por meio da poesia, artes plásticas ou música.
*
O projeto foi submetido ao poder público, que resolveu bancar a experiência, cedendo um apertado andar num prédio. Os pais tratariam de levantar sozinhos mais recursos.
Assim surgiu a Manhattan School for Children.
Como não havia espaço na escola para esportes, introduziram aulas de dança. Os museus, teatros e bibliotecas foram incorporados à sala de aula.
Para aprender história e geografia, os alunos estudam compositores e músicos de jazz, visitam as casas onde moravam. São levados, depois, ao teatro, onde ouvem a apresentação realizada por um grupo profissional.
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A administração, levantamento de fundos, supervisão dos professores e debate sobre o currículo é feito pelos pais; alguns dos pais são sofisticados educadores ligados à Universidade Columbia, também nas redondezas.
Como o projeto prosperou, firmaram-se acordos com escolas privadas para troca de informações e convênio com as universidades para desenvolvimento de programas tecnológicos.
Todas as classes têm três computadores. Mas são encarados apenas como um acessório a serviço do professor.
Resultado: apesar de tão pouco tempo de existência, a escola foi apontada pela imprensa e faculdades de educação como uma das dez melhores escolas básicas de Nova York.
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Acompanhei essa escola diariamente porque meus dois filhos estudaram lá, onde aprendi algumas das melhores lições de minha vivência em Nova York.
Resolvi escrever sobre a escola porque a coluna "América" completa hoje dois anos -a continuação globalizada da coluna "Brasília", onde escrevi por quase dez anos.
Nesses dois anos, tentei mostrar aqui uma galeria de experiências sociais úteis à agenda brasileira. E sempre me pergunto qual a principal lição que extraio dos EUA, para onde me mudei temporariamente para pesquisar sobre educação para cidadania e novas tecnologias, produzindo o Projeto Aprendiz do Futuro.
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A principal lição útil ao Brasil está sintetizada na escola dos meus filhos: o sucesso de uma nação depende não apenas da economia ou política. Mas de mentalidade.
Boa parte do atraso brasileiro -e o que explica boa parte do sucesso americano- deriva de três fatores:
1) O cidadão sentir-se, de fato, dono do país, do seu Estado, cidade, bairro e rua. E não apenas de sua casa;
2) Tomar a iniciativa e não esperar tanto do governo;
3) A aposta na produção e transmissão do conhecimento como alavanca vital de desenvolvimento e democracia.
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A partir desses três fatores podemos entender como um grupo de pais cria uma escola-modelo num bairro deteriorado, as universidades não param de fazer descobertas, a agressividade das empresas, até fatos como a queda da criminalidade em Nova York.
Eles ensinam que enfrentar a crise social é muito mais complicado do que se pode imaginar. Tanto que, apesar de tanto dinheiro e esforço, ainda há manchas de pobreza, necrosadas pela violência.
É o resultado de uma sociedade com má distribuição de renda.
Mas a constante renovação deste país ensina que o cérebro humano é o único recurso inesgotável, transformando crises em possibilidades.
Quanto maior a parceria entre sociedades e poder público, mais rápida a passagem da crise para a possibilidade.
*
PS - Dei uma olhada nos meus arquivos de dois anos, exatamente no mês de agosto. Dá para ver como o Brasil melhorou. A imensa maioria dos consultores e economistas jurava que o Brasil viraria um novo México, seria tomado por uma recessão, a inflação voltaria, e o desemprego explodiria.
Apesar de nossa indecente crise social, nunca estive tão otimista. Imaginem, então, quando a educação virar, de fato, prioridade de toda uma nação.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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