São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997 |
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Sobre o regionalismo dos torcedores
MATINAS SUZUKI JR.
Recentemente, recebi duas mensagens eletrônicas de Minas reclamando de uma suposta perseguição minha ao Cruzeiro e aos mineiros. Só por que, pasme, citei um cronista mineiro, cruzeirense, que ousava dizer que o atual campeão da Libertadores tem uma equipe inferior aos Cruzeiros da época de Tostão e da época de Nelinho. Por críticas a um patrocinador do Fluminense, recebi cartas iradas dos torcedores tricolores -que também se utilizavam do argumento de perseguição aos cariocas. O leitor apaixonado por um time de futebol é o leitor ensimesmado: para ele não existe a mediação, a inclusão, a integração na diversidade (que é o fundamento da democracia). Para o torcedor, só existe o Eu e o Outro, a relação de exclusão, de auto-afirmação (que a vida, o trabalho, o mundo desfigurado de hoje lhe negam), por um lado, e de negação radical por outro. Essa identidade marca decisivamente a primeira personalidade da criança -que, na maioria dos casos, preserva-a por toda a vida. É para reforçar essa identidade primária e primitiva que os torcedores se organizam em tribos, grupos, bandos, torcidas organizadas etc. Essa relação é reforçada quando, além da paixão por um clube, ela é acompanhada de sentimentos regionalistas. Não são poucos os (bons) escritores e filósofos que criticaram o futebol -e o esporte de uma maneira geral- por reforçar os sentimentos e os antagonismos regionalistas. O regionalismo é um pouco bom e muito ruim: é bom até o momento que preserva identidades particulares, é ruim quando atrapalha o desenvolvimento de sociedades mais amplas e complexas. O que preocupa na exacerbação do regionalismo é que, não raro, ele caminha para a guerra, para o autoritarismo, para o reforço do irracionalismo. É da lei do mercado que os holofotes procurem os times com maior torcida e projeção nacional. O vencedor Grêmio, por exemplo, conquistou as câmeras nacionais, mesmo estando fora da ponte Rio-SP. A base da imprensa brasileira é regional: é muito recente o fenômeno de os jornais de um Estado obterem circulação expressiva em outros Estados. A base dos leitores ainda é regional, portanto a tendência ainda é prevalecer as coberturas regionalizadas. Por fim, e talvez mais importante, o futebol brasileiro também tem a sua estrutura regionalizada, o que dificulta uma cobertura mais nacionalizada. Em um país grande, com estrutura regionalizada de futebol, o chamado custo (investimento na cobertura nacional) benefício (atração para a base dos leitores, também regionalizada) não compensa. Conclusão: é preciso ampliar o horizonte dos torcedores, manter o regionalismo em sua exata dimensão, é preciso nacionalizar mais a cobertura da imprensa e, sobretudo, do qual depende a imprensa, é preciso nacionalizar o futebol. Texto Anterior: Nível técnico do Brasileiro é pior em 97 Próximo Texto: Shoiti San Índice |
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