São Paulo, quinta-feira, 4 de setembro de 1997
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"Só culpa nacional faria imprensa do Reino Unido mudar", diz jornalista

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista inglês Mathew Parris, colunista político do jornal "The Times", acha que a morte da princesa Diana levará o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, a propor uma lei que imponha limites à atuação da mídia na cobertura das vidas particulares de pessoas famosas.
Mas, segundo Parris, a iniciativa será apenas um "show" e não deverá alterar o estilo de jornalismo sensacionalista e escandaloso praticado por parte dos meios de comunicação britânicos, especialmente pelos tablóides.
"O governo trabalhista de Tony Blair é muito populista e deve responder ao clamor momentâneo da população por um controle maior sobre a mídia", afirmou o colunista à Folha, em entrevista por telefone.
'Culpa nacional'
"Mas só haverá mudança se as pessoas, movidas por uma espécie de 'culpa nacional', passarem a exigir outra atitude dos jornais", disse.
Para ele, no entanto, é difícil isso acontecer porque há uma demanda, por parte de uma fatia dos leitores britânicos, por notícias sensacionalistas.
"Ao contrário de outros países como a França, no Reino Unido todo mundo lê jornal, dos mais ricos aos mais pobres, dos mais instruídos aos mais pobres, dos mais instruídos aos menos educados", diz Parris. "É natural que haja espaço para uma imprensa mais vulgar."
Num país com 58,4 milhões de habitantes, a soma das tiragens dos 11 principais jornais chega a 13,6 milhões de cópias por dia (um jornal para cada quatro pessoas).
Mathew Parris, 47, foi eleito para o Parlamento britânico pelo Partido Conservador em 79, depois que ficou famoso por ter mergulhado no rio Tâmisa, em Londres, em pleno inverno para salvar um cachorro que estava se afogando.
Sua candidatura foi patrocinada pela própria Margaret Thatcher, então primeira-ministra.
Sete anos depois, Mathew Parris se cansou da política e renunciou ao mandato de deputado. Hoje, é o principal correspondente do "The Times" no Parlamento.
Homossexual assumido, Parris tem uma visão surpreendente dos motivos que levam o público britânico a demonstrar tanto apetite pela vida alheia.
"O britânico é sexualmente reprimido. Extravasa isso prestando atenção nos detalhes mais escandalosos e picantes da vida dos outros", diz.
Escândalos e injúrias
Parris expressa a opinião com conhecimento de causa. Em 95, lançou o livro "Grandes Escândalos Parlamentares -Quatro Séculos de Calúnias, Injúrias e Difamações", no qual faz um apanhado dos escândalos envolvendo personagens da política britânica nos últimos 400 anos.
"No Brasil, vocês têm as novelas", afirma Parris. "A novela dos britânicos é a vida real das pessoas, especialmente se essas pessoas forem reais de fato, ou seja, se forem membros da família real."
Embora integre o grupo de jornalistas que trabalha nos chamados "jornais de qualidade" -dirigidos a um público mais sofisticado e, em princípio, menos escandalosos- Parris não engrossa o time dos que jogam sobre os tablóides toda a culpa pelo sensacionalismo da imprensa britânica.
"Nossos jornais são cães de uma matilha", afirma o colunista. "Os jornais de prestígio só esperam os tablóides darem a primeira mordida para também avançarem sobre a carniça."
Ele também não concorda com a afirmação de que Diana tenha sido vitimada pela voracidade da imprensa.
"A relação entre a princesa e a mídia funcionava como um espelho. Ora os jornais se aproveitavam de Diana, ora Diana utilizava os jornais para se autopromover", diz.
Segundo ele, era uma relação de amor e ódio. "A imprensa maltratava Diana, mas a amava. Diana reclamava dos jornais, mas não vivia sem eles", diz.
"No fundo, os jornais e a princesa se mereciam."

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