São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
Texto Anterior | Índice

Crowell, 19, fala de dor que não viveu

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REDAÇÃO

Jenn Crowell não esteve na universidade, não casou, não teve filhos, nem vivenciou a destruição provocada pelo câncer.
A Inglaterra, Crowell só conhecia por meio de seriados de televisão.
Mas escrevendo sobre o impacto que a leucemia causou na vida de um casal que mora em Londres com um filho pequeno, a escritora de 17 anos chegou a um contrato de seis dígitos com a editora norte-americana Putnam's Sons e ganhou projeção mundial.
Hoje, com experientes 19 anos, a autora de "Loucura Necessária" -que sai no Brasil este mês-, já conhece a Inglaterra, frequenta o primeiro ano de uma faculdade na cidadezinha de Towson e diz que com o sucesso só aprendeu a "valorizar a solidão".
Não se sabe o quanto ela valorizava o isolamento e o sentimento de perda quando escreveu "Loucura Necessária", mas esse é justamente o tema principal desse romance.
Logo nas primeiras páginas, o leitor assiste à professora universitária Gloria, 30, participando do enterro do artista plástico Bill, seu marido.
Flash-backs e "flash-fronts" depois -passado e presente correm em trilhos paralelos no romance- e a protagonista abre o centro de seus problemas. Freud já explicou há muitos anos.
Gloria era a filha problema de um casamento problema. Seu pai, que sai de cena com um tiro na cabeça, amara uma mocinha, em seus primeiros tempos de Oxford, que morrera em acidente automobilístico.
Casou com o primeiro abraço quente que encontrou, mudou para os Estados Unidos, teve a filha -Gloria-, e viveu obcecado com a semelhança entre sua menina e a amante perdida.
Afastando-se do ambiente semi-incestuoso, a filha viaja para Londres onde encontra Bill, um homem que a carrega nos braços "sem questões e sem obrigações".
O casamento feliz é fermentado pelo nascimento de um menino e, durante oito anos Bill, Gloria e Curran (a criança) viveram harmoniosamente.
É num cenário próximo ao das famílias de comerciais de margarina que se introduz a mágoa, a tristeza e a solidão.
Bill descobre que hematomas espalhados pelo seu corpo eram resultantes de uma leucemia -espécie de câncer.
É o modo como Crowell descreve o definhamento de Bill que fez com que críticas de publicações prestigiadas como o "New York Times Review of Books" e a "Newsweek" classificassem o estilo da autora como "pungente".
Gloria se vê cercada do vazio e da melancolia que Crowell afirma enxergar espalhados pela vida cotidiana -"loucuras" necessárias.
Islândia
Debutante nas letras mais precoce do que nomes como Gore Vidal -lançou seu primeiro livro aos 21- e Truman Capote -aos 24-, Crowell diz que gasta boa parte de seu tempo tentando se desvincular desse estigma.
Pela frente, a autora tem "trabalhos de Hércules". Em sua próxima missão mergulha sua inexperiência intuitiva em território que poucos veteranos das letras podem alegar conhecer com propriedade. Seu próximo romance -cujos direitos foram comprados por US$ 500 mil juntamente com "Loucura Necessária"- é ambientado na Islândia.
Com a eloquência de quem já levou milhares de leitores para Londres sem nunca ter visto o Big Ben de perto, a escritora continua, no cenário de geleiras, o empreendimento de mostrar que sua literatura é jovem, mas tem algo de necessária.

Texto Anterior: Loucura necessária
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.