São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997 |
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"Anna Karenina" de Rose rouba a alma de Leon Tolstói
MARCELO REZENDE
"Apenas um livro ruim é capaz de transformar-se em um bom filme", diz o cineasta Jean-Luc Godard. Bernard Rose, diretor de "Anna Karenina", luxuosa produção que entra em cartaz na cidade, parece nunca ter ouvido o aviso e parte em direção ao caminho oposto. Mais uma vez, o romancista Leon Tolstói (1828-1910) enfrenta Hollywood, que sempre imaginou seus escritos como histórias de amor que não terminam muito bem. No cinema norte-americano, seus livros deram longo adeus às metáforas sobre a angústia de estar solitário no mundo, sob o peso de não saber nem como nem por quê. No lugar dos dramas existenciais, entraram os bailes e os vestidos longos de veludo. E há, claro, bailes exemplares nesse novo "Anna Karenina", que se orgulha de ter sido filmado inteiramente em Moscou e São Petersburgo. Isso significa que o espectador vê os lugares reais onde a história se passa, como se o cinema fosse apenas um subproduto do turismo. Mas de certa forma, em alguns casos, pode realmente ser apenas isso. Ao assistir a trajetória de uma aristocrata adúltera (Sophie Marceau) na Rússia czarista, talvez os cenários sejam as boas imagens que o espectador levará como lembrança. Karenina é a mãe infeliz, jovem e extremamente bela, que sufoca em um casamento por conveniência. Apaixona-se pelo capitão Vronsky e joga sua vida aos ratos. No livro, age sob um impulso emocionalmente suicida. Aos olhos de Bernard Rose, não passa de mais uma desculpa para a música de Tchaikovski, os olhos úmidos e o coração aflito. Mas seria "Anna Karenina" um filme abominável? Não, de forma alguma. É nesse fato que está seu maior perigo. São quase duas horas de esforço para que se acredite que estamos diante de um bom espetáculo (a melhor palavra é essa, e não cinema), pois tudo segue as regras da correção e do equilíbrio -com exceção do ator Sean Bean, um Vronsky detestável. A iluminação, os tempos, os cortes. Nada oferece sustos, nada corre riscos, existindo então uma fidelidade obsessiva à "qualidade", exatamente como nas adaptações literárias feitas para a televisão, forçadas ao reducionismo em nome do suposto gosto de um público médio. Na versão de Clarence Brown, de 1935, o resultado não foi muito melhor, mas ao menos servia de veículo para Greta Garbo, pois, ainda que tudo desse errado, o público poderia sempre ter seu rosto. O novo "Anna Karenina" não pode, infelizmente, contar com algo parecido. Tem apenas antigas cidades cobertas pela neve. São belíssimas. Mas Bernard Rose lhes roubou a alma. Texto Anterior: "Crede Mi" reúne o erudito e o popular Próximo Texto: Marceau carece de contundência Índice |
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