São Paulo, sexta-feira, 5 de setembro de 1997
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Nova 'Christiane' conta sua história triste

LUÍS PEREZ
DA REDAÇÃO

Uma garota de 14 anos foge da casa de seus pais e da rígida educação imposta por eles, imigrantes chineses no Canadá. Envolve-se com drogas, se prostitui para ganhar dinheiro, mas mantém sua obsessão por escrever.
Dessa história à "Christiane F." de vida nasceu "A Fugitiva - O Diário de Uma Menina de Rua", primeiro livro da canadense Evelyn Lau, 26, publicado pela primeira vez há oito anos e agora editado no Brasil.
Não foi a miséria a razão da fuga.
Seus pais eram de classe média, mas Evelyn era infeliz. Eles queriam uma filha médica, não escritora.
"A Fugitiva" é um romance escrito sob forma de diário, que se tornou um best seller publicado em 12 países. Evelyn recebeu a Folha anteontem no hotel onde está hospedada, em São Paulo.
*
Folha - Gostaria que você contasse um pouco sobre a sua história.
Evelyn Lau - Sabia desde os 6 anos que queria ser escritora. Comecei a publicar histórias em revistas com 12 anos, e isso amedrontou meus pais, que me queriam médica. Quando perceberam que não havia como eu mudar de idéia, não me deixavam escrever enquanto morasse com eles.
Folha - E assim você saiu de casa?
Lau - Sim, aos 14 anos. Eu era uma adolescente muito infeliz, não sei exatamente o porquê. Estava desesperada.
Folha - Saiu para morar com alguém ou sozinha?
Lau - Havia um jornal de adolescentes na cidade para o qual eu escrevia sem meus pais saberem. Liguei para eles dizendo que estava fugindo de casa. Fiquei com eles uns dias, depois com amigos deles.
Esses amigos começaram a me forçar a entrar no sexo. À época tentei me suicidar.
Folha - Só pensou em se matar dessa vez?
Lau - Não, muitas vezes depois disso. Antes de fugir, eu era muito tímida. Não sabia como lidar com a situação, tantas coisas acontecendo em tão pouco tempo.
Foi quando experimentei drogas. Provei de tudo, menos heroína. Quanto a me prostituir, era porque os homens ofereciam e eu aceitava.
Folha - Quanto tempo você ficou nessa vida de prostituição e drogas?
Lau - Tentei sair várias vezes e voltei várias vezes. Deixei as ruas com 17 anos. Mesmo assim, voltava à vida de prostituição, até o começo dos meus 20 anos.
Folha - E você sempre pensou em escrever um romance sobre isso?
Lau - Queria estar sempre escrevendo.
Folha - Só viveu pelas ruas de Vancouver?
Lau - A maior parte do tempo. Fui também para Boston (EUA), mas por pouco tempo.
Folha - Quem decidiu publicar seu livro?
Lau - Ganhei por dois anos seguidos concursos da escola onde estudei. Mas ninguém queria trabalhar comigo. "Você é muito jovem", diziam. Tinha 16 anos. Um dia, uma pessoa que conhecia da rua me levou a um bar, e lá conheci um poeta bêbado. Li uns poemas para ele, que achou ótimo. Mas ele estava bêbado (risos).
Disse que eu deveria ligar para a agente dele. Foi ela quem vendeu o livro a uma editora.
Folha - É importante viver um drama para escrever?
Lau - Não. Fico perturbada que as pessoas pensem que para ser escritor é preciso passar pelo que passei. Acho isso terrível. O que é preciso é ser muito observador.
Folha - Há outros livros seus publicados?
Lau - Sim, três de poesia, um de histórias mais curtas e o mais recente é um romance, que deve ser lançado aqui.
Folha - Que história é essa de ler poemas para os homens quando trabalhava como prostituta?
Lau - Eu precisava ser vista como um ser humano, e lia os poemas para ver se me enxergavam não só como um pedaço de carne. Eles ficavam chocados, não esperavam isso.
Folha - Achava que aquilo ia durar para sempre? E como deixou as drogas se há tantas pessoas que não conseguem?
Lau - Não via nada além daquilo. Queria continuar a escrever sempre. Mas foi só uma questão de tempo para amadurecer e começar a viver do meu trabalho.
Folha - Não tem medo que sua imagem fique associada a esse primeiro livro?
Lau - Sim, sim. Quero que essa imagem desapareça. Escrevo sobre outras coisas e espero que ela acabe com o tempo.

Livro: A Fugitiva - O Diário de Uma Menina de Rua
Autora: Evelyn Lau
Tradução: Cristina Hansen Terra de Souza
Lançamento: Scipione Cultural
Quanto: R$ 30 (376 págs.)

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