São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 1997 |
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O jogo do século
MOACYR SCLIAR Aqui estamos, senhoras e senhores, transmitindo diretamente da Câmara dos Deputados, em Brasília, que será cenário, dentro de alguns segundos, daquele que está sendo chamado, pela originalidade -se me permitem a expressão- de "jogo do século". E nada mais original, senhoras e senhores. Em primeiro lugar, há um time só. E depois, esse único time é formado unicamente de assessores parlamentares, todos figurando na folha de pagamento da Câmara.O juiz consulta seu cronômetro e apita, dando início ao jogo. Quem se apossa da bola é o centroavante. Ele sai do gabinete do deputado, olha à direita, olha à esquerda, não vê ninguém, nenhum jornalista indiscreto, então vai avançando, cautelosamente, seguido de seus companheiros, todos assessores, todos igualmente denodados, e lá vão eles, um time que prima pela segurança, trocando passes nos corredores da Câmara, enquanto, da porta do gabinete, o treinador, que é também assessor, acompanha de respiração suspensa a partida, gritando de vez em quando vamos lá, pessoal, vamos fazer força, a partida já é nossa; o centroavante, devidamente estimulado, continua avançando, passa por um assessor de uma bancada adversária, passa por mais um assessor, nem sequer é perturbado, porque esses outros assessores não entendem nada de futebol, nem fardados estão, e o centroavante prossegue triunfante, seguido por seus companheiros, que mal conseguem conter o riso diante da impotência do adversário, e agora aproximam-se da meta, que é o guichê de pagamentos, e o centroavante dribla o funcionário que ali está, atenção, senhoras e senhores, é um momento decisivo, ele vai receber, atenção -recebeu! Recebeu o seu pagamento! Um mil e oitocentos reais, senhoras e senhores! Diretamente dos cofres públicos para o bolso do jogador, digo, do assessor! E já outro assessor recebe, e mais outro, e outro, são quatro no total, quatro assessores que estão recebendo, e cada vez que um recebe os outros aplaudem! O público não aplaude. O público é frio. O público não se dá conta de que está presenciando o jogo do século, uma verdadeira revolução no futebol. Mas o público é assim mesmo, senhoras e senhores. O público nunca sabe o que é bom. O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto de ficção sobre notícias publicadas no jornal. Texto Anterior: CRM promove campanha Próximo Texto: O desejo e o sopro divino Índice |
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