São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 1997
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2001

OTAVIO FRIAS FILHO

Quando dizemos que tal filme é um clássico, muitas vezes estamos falando de alguma obra de valor perene, mas que se tornou maçante assistir de novo. Não é o caso do maior de todos os filmes de ficção científica, "2001, Uma Odisséia no Espaço" (1968), que o Espaço (por que não Cine?) Unibanco reexibe em cópia nova.
O filme de Stanley Kubrick continua "novo", fascinante, profundamente dramático. Mesmo nos aspectos em que se desatualizou, em que suas profecias se mostraram erradas, ele oferece um novo entretenimento, o de meditar sobre um futuro que já ocorreu e percorrer o tempo uma segunda vez, agora já vivida.
Nós sabemos que um computador pode derrotar não um engenheiro de bordo, mas o próprio campeão mundial. Sabemos que a Pan American, cujo emblema orgulhoso aparece numa espaçonave, faliu, mas que o futuro pertencia de fato ao capitalismo. A solidão da infinita viagem até Júpiter faz pensar na Internet.
É quase cômico reencontrar um espaço sideral dividido entre Estados Unidos e União Soviética, embora no filme as duas potências apareçam em discreta competição, e cooperação mais discreta ainda, como se estivessem prestes a desaparecer uma na outra: uma na antimatéria da outra, como agora no caso dos reparos na cosmonave Mir.
"2001" é uma obra aberta, conforme se dizia na época, que tornou obscuro o enredo engenhoso porém delimitado e explícito do original de Arthur C. Clarke. O mérito dessa expansão de sentidos por meio da elipse nos meios cabe a Kubrick e ao próprio Clarke, que assinam o roteiro e fizeram do filme um reservatório de metáforas.
No livro, uma inteligência avançadíssima patrulha esta região do universo em busca de formas primitivas de vida (nossos ancestrais), nas quais se propõe a inocular uma mutação específica, a da razão. A tribo beneficiada descobre o tacape, o que lhe propicia não só uma espécie de Plano Real alimentar como também o extermínio da tribo rival e o triunfo.
Previdentes, esses deuses-astronautas enterraram uma sonda na Lua, que exposta à radiação solar emite um sinal até Júpiter, avisando a matriz de que os filhotes chocaram, ou seja, o Homo sapiens saiu de seu planeta. Não que a sede dessa civilização cordial seja Júpiter, mas é ali que se localiza a mais próxima passagem no espaço-tempo.
Então, o ritmo do filme, que vinha otimista e épico-musical, muda para um tom soturno: é a viagem a Júpiter, quando o homem é atraído para nova mutação, que deverá torná-lo o super-homem louvado na música de Strauss. Nesse ponto entra em cena o herói popular do filme, o computador HAL (as letras que antecedem IBM no alfabeto).
Por que HAL se torna assassino? No filme, a resposta é que o desenvolvimento da máquina perfeita engendra emoções destrutivas em seus relés (ou chips). Equiparado ao tacape sangrento do homem das cavernas, HAL representa o fim da civilização do artefato. Essa é a utopia mais desenganada de "2001".

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