São Paulo, sábado, 20 de setembro de 1997
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Viagem pela China expõe desigualdades

TERESA POOLE
DO "THE INDEPENDENT", EM PEQUIM

Leva-se quase dois dias de trem para viajar dos arranha-céus envidraçados de Xangai para a Província miserável de Ningxia, no noroeste da China -uma viagem da capital chinesa do estilo para uma parte do país que parece ter sido excluída da abertura e das reformas econômicas.
Quando se atravessa a China, a sensação de estar viajando para trás no tempo é forte. Em Xangai, os avanços e os desafios são evidentes, após uma década de crescimento superacelerado: uma classe média abastada e bem vestida, shopping centers reluzentes, trânsito engarrafado e edifícios em construção.
Mas quando se chega a Zhengzhou, na Província de Hunan, bem no meio da China, a arquitetura dos novos edifícios é utilitária, os carros particulares são poucos e um quarto da força de trabalho ainda está vinculado à deficitária indústria têxtil estatal.
Quem segue viagem de Hunan até Yinchuan, capital da Província de Ningxia, que abriga a minoria muçulmana chinesa, da etnia hui, sente que retornou à China do passado. As lojas de departamentos da cidade oferecem o tipo de roupas antiquadas vendidas em Xangai no início dos anos 80, há poucas construções novas sendo erguidas e nenhum indício de investimentos estrangeiros. No sul da Província, um número considerável de pessoas ainda vive em cavernas escavadas nas montanhas áridas, sem luz elétrica ou água corrente.
Os economistas chineses dividem seu país em três faixas: o leste (que inclui Pequim e Xangai), o centro (que passa pelo meio do país e sobe até o nordeste) e o oeste (as nove Províncias mais distantes do litoral). Os dados mostram que, se o chinês médio pudesse escolher, faria todo o possível para nascer na próspera região leste. Quando não é esse o caso, o conselho mais ouvido no país ainda é: "Vá para o leste, rapaz!". Historicamente, a vida sempre foi mais fácil para quem vive perto da costa, mas a enorme disparidade na distribuição dos investimentos estrangeiros desde o início das reformas econômicas gerou uma desigualdade de renda regional inusitada no país. A região leste tem um terço da população nacional, mas se beneficia de quatro quintos dos investimentos estrangeiros.
'Três países'
Em termos de padrões de vida, comércio e indústria e de perspectivas para o futuro, a China está começando a parecer não um país, mas três. "Sim, pode-se afirmar isso, com base na renda das pessoas e do grau de avanço econômico", disse Liang Youcai, vice-diretor do departamento de previsões do Centro Estatal de Informações. "As pessoas na região leste podem viver comparativamente bem, mas, na região ocidental, muitas ainda sobrevivem abaixo da linha de pobreza."
Liang é um dos muitos que já apontaram os perigos dessas disparidades de renda regionais. Dois anos atrás ele disse ao governo central que, se a situação persistisse como estava, "corre-se o risco de ocorrer comoção social e de serem criados obstáculos ao desenvolvimento".
Compare-se Xangai com a Província de Guizhou, por exemplo, no sudoeste do país. O PIB per capita em Xangai é dez vezes superior ao de Guizhou, os investimentos estrangeiros per capita, quase 300 vezes maiores, e a renda média dos trabalhadores agrícolas é quase cinco vezes maior. O resultado é evidente: milhões de trabalhadores migrantes se dirigem a Xangai, mas ninguém bate à porta de Guizhou.
Como a disparidade de renda afeta principalmente os camponeses, sua tendência é migrar. Os 90 milhões de trabalhadores migrantes se comportam como um barômetro das perspectivas econômicas regionais, fugindo do campo e das cidades menores, onde o desemprego é crônico. Alguns não hesitam em viajar mais de 1.600 km até as grandes cidades das Províncias costeiras, onde trabalham em construções e no setor manufatureiro voltado à exportação e financiado por investimentos estrangeiros.
Quanto tempo a China levará para eliminar esse desnível regional? Muito, apesar das políticas visando reduzir o desequilíbrio. "A julgar pela situação como um todo, não é possível o centro e oeste do país se equipararem com o leste nos próximos 20 anos", disse Liang.

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