São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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Pintura era espontânea e catártica

OLÍVIO TAVARES DE ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos dez ou 15 anos, pouco se falou publicamente de Manabu Mabe e sua obra. Em particular, comentava-se a evidente crise de sua pintura, que, num curto período (de meados dos 50 aos 60), fora um marco na arte brasileira, mas dos anos 70 em diante virara uma repetição de fórmulas banais.
Entre as muitas explicações possíveis, uma de ordem mercadológica. Os preços de Mabe tinham ficado tão altos que, para continuar vendendo, ele era obrigado a ir reduzindo os tamanhos dos quadros. E, em pequeno formato, definitivamente, sua força se esvaía.
Esse funesto sucesso de mercado se deveu a uma intersecção de fatores até alheia à vontade do artista. Primeiro, mesmo sua pintura mais exigente e mais séria sempre foi, também, bonita, ornamental, decorativa. Agradava inevitavelmente ao público da época.
Segundo, Mabe foi o homem certo na hora e lugar certos. Quando a arte abstrata informal se impunha no Brasil, lançada e avalizada por meio de bienais, surgia esse japonês pequenino, mas vigoroso, trazendo-lhe o influxo e a elegância da gestualidade oriental.
Terceiro, o prestígio rápido e conspícuo. Para ganhar o prêmio de Melhor Pintor Brasileiro na 5ª Bienal de São Paulo, Mabe teve que se naturalizar às pressas. Logo virava artigo de exportação, fazendo sucesso nos EUA e no Japão.
Os bons quadros de Mabe eram inquestionavelmente convincentes -embora nunca tenham aprofundado certas questões mais transcendentes da pintura. A rigor, nenhum abstracionista informal brasileiro -com exceção de Iberê Camargo- as aprofundou.
A melhor pintura de Mabe era espontânea e catártica, fluente, toda de dentro para fora, um jogo decisivo de tudo ou nada, fundada no que poderíamos chamar de convicção interior.
Havia nela algo em comum com a tradicional luta japonesa de sumô. Nela, dois imensos contendores se olham e se intimidam longamente, até que um deles ataca como um touro, e tudo se decide em dois ou três minutos.
Parece que, em algum momento da carreira, Mabe perdeu essa capacidade de acumulação -seguida de violento extravasamento- de energia. Mas que ele a teve é fato incontestável, e que ela embasou e legitimou sua pintura, também.
Vista hoje, a produção desse grupo se ressente da falta de densidade e drama. Mabe -quando acertava-, não.

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