São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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O PT que vai mal das pernas e das barbas

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quando minha mãe, 62, disse que acha um "absurdo" o PT lançar de novo o nome de Lula para a Presidência, entendi a profundidade da crise. Nesses quase 20 anos de PT, ela permaneceu fiel, votando na legenda de número 13 sempre, depositando sua esperança nos homens de barba.
Foi com imenso desgosto que ela considerou a possibilidade de não votar em Lula. "Por que não põem Genoino?", perguntou-me, como se eu tivesse a explicação restauradora.
Tive pena dela. Como pode uma pessoa atravessar décadas de política brasileira -de Getúlio Vargas à ditadura de 64, passando por Collor até hoje- e ainda acreditar?
Não dei resposta. Como eu não pertenço a nada e não acredito em ninguém, para mim tanto faz que partidos surjam de um ninho qualquer de larvas e caiam feito moscas abatidas por uma nuvem qualquer de inseticida. Afinal, política, a brasileira em especial, é coisa feita por insetos mesmo, em 99,9% dos casos.
Mas como minha mãe é do povo, da "massa" esmagada hoje pela anti-democracia do liberalismo, acredito que o PT se divorciou da massa que o fermentou e fez crescer.
Pode ter acontecido de o PT ter ficado com a outra face que sempre teve? Quando, no início dos anos 80, eu era levada por amigos politizados da Universidade de São Paulo (USP), onde estudávamos, às passeatas do PT no ABCD paulista, desconfiava das duas faces que compunham o partido.
Uma das faces era minha mãe: pobre demais, nascida nos confins do sertão da Paraíba, e semi-retirante nas levas de esfarrapados que vinham de lá para São Paulo nos anos 60.
A outra face eram meus amigos ricos da USP, filhos de banqueiros e empresários. No fundo eu resistia a acreditar que aqueles filhos de milionários tivessem algum motivo verdadeiro para marchar ao lado de metalúrgicos e sertanejos.
Então pode ter acontecido de o PT -acomodado num trono de esquerda, crente no voto das massas que deixou de mobilizar- ter ficado com a cara dessa antiga militância hoje acomodada como se previa, casada, vivendo da renda que o pai deu, do emprego que o pai arranjou, na casa que o pai comprou. Alguns nem isso, que se mudaram logo para o PSDB.
Não entendo o que, na estrutura partidária do PT, nos governos petistas ou mesmo na conjuntura global, minou as esperanças de minha mãe.
Mas não destruí todas as esperanças dela. Não disse que "a novidade radical" do surgimento de um partido como o PT, que veio para romper com os pactos de elite (em palavras de Emir Sader) estaria talvez acabada, por falta do que pôr no lugar, devorada pela selvageria do liberalismo de desigualdades crescentes, de concentração cada vez maior da riqueza nas mãos de minorias sempre mais poderosas.
Não disse que a derrocada do PT gera uma espécie de regozijo no ar, particularmente da grande imprensa, que sempre ironizou o partido.
Não disse a ela que o PT parece mal das pernas mesmo, eu que achava que o problema era apenas o excesso de barbas.

E-mailmfelinto@uol.com.br

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