São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A coisa vale o ingresso

ENRIQUE DIAZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A coisa vale o ingresso. Aí o crítico se transfigura também em cabeça de dragão, aquela que tem a difícil tarefa de sinalizar e ainda a capacidade de escutar e reformular.
Lendo o livro do início para o fim, pode-se perceber a busca do próprio autor no sentido de auscultar, indagar, investigar para onde caminham, e com que referências, as realizações do teatro nos anos em questão. A discussão sobre este fenômeno que resolveram chamar "teatro de diretor", por exemplo, está aqui e ali presente, sem excessiva adoração mas também sem ignorar o que trouxe de novo para a linguagem da cena.
Acontece que, da mesma maneira que o livro revela boas intenções do autor difíceis de serem discernidas na leitura diária de suas críticas, o cotidiano também revela preconceitos e desafetos. O maior deles, ou pelo menos o que mais me impressionou, são o medo e a incompreensão que Nelson de Sá demonstra quando se refere a tudo o que lembre a televisão.
Não que não faça sentido. Conhecemos as características do modo de produção na TV, a carga de trabalho e a síndrome da fama súbita tão presentes ali.
Exatamente por ser um pouco mais complexa do que uma questão de boas ou más intenções, a situação pede mais inteligência e uma percepção mais aguçada para que o apocalipse seja um pouco menos medroso e a integração um pouco mais crítica. O buraco é com certeza bem mais embaixo e de nada adianta tentar transformar atores que muitas vezes têm formação e experiência significativas em teatro em certo tipo de indigente cultural, que baseia sua atividade apenas na vaidade.
E, da mesma forma que a televisão e quaisquer de seus possíveis correlatos têm esse tratamento preconceituoso, também em outros momentos transparecem idiossincrasias do crítico, que, embora inevitáveis e às vezes até justificadas, tornam-se condenáveis quando sobrepostas à possibilidade de um olhar mais profundo sobre o sistema estético e interpretativo do espetáculo criticado.
Se o arcabouço de preceitos e ferramentas teóricas que o crítico carrega se revela mais determinante do que a possibilidade de uma nova compreensão a partir da proposição do espetáculo assistido, aquele perde o momento de dialogar com o próprio caminho do teatro, já que preso àquilo que ele gostaria ou esperava ver e não ao que está de fato presenciando.
E na verdade um dos grandes méritos de Nelson de Sá como crítico tem sido exatamente a necessidade de estar "na ponta" e não na retaguarda, de carregar a lanterna e não as bagagens. Seus equívocos (quando acontecem) estão muito mais ligados a essa busca do que à tentativa de manutenção de classificações estéticas superadas, como insistem em fazer algumas senhoras já idosas (e um pouco surdas...) da crítica carioca.

Enrique Dias, 30, é ator e diretor de teatro; dirigiu, entre outras, "Melodrama" e atuou em "Tristão e Isolda".

Livro: Divers/idade
Autor: Nelson de Sá
Lançamento: Hucitec (tel. 011/543-0653)
Quanto: R$ 38 (480 págs.)

Texto Anterior: Jornalista lança livro de crítica teatral
Próximo Texto: Novos Baianos consumam reunião em CD
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.