São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
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Jornalista lança livro de crítica teatral

SÉRGIO DÁVILA
EDITOR DA ILUSTRADA

O jornalista Nelson de Sá, 36, crítico de teatro da Folha, está lançando "Divers/idade - Um Guia para o Teatro dos Anos 90".
O livro, que traz textos publicados entre 1990 e 1996 na Folha, tem apresentação do jornalista Marcelo Coelho e do dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.
Pretende ser um amplo painel da artes cênicas no Brasil na década de 90. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista dada por Sá.
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Folha - No título pode-se ler mergulhador, em inglês, ou a idade diversa. O que você quis dizer?
Nelson de Sá - O sentido é esse, a idade da diversidade. A idade em que você não tem programa único. Outra leitura que eu busquei é a da diversão, simplesmente. Uma idade em que o teatro redescobre a diversão. Mas cada um faz a sua.
Folha - Nesse corte que você faz, que peça abre os anos 90?
Sá - É anedótico, mas eu fantasio que esse teatro fragmentado surgiu com "Morte", de 90, na verdade o fim de seu tempo. Foi quando Gerald Thomas, que alcançava a supremacia, decretou a sua própria morte. A morte de um teatro anticomercial, até antipúblico, que vinha de décadas.
Folha - E o que veio depois?
Sá - No exterior seria "Angels in America", que fala com consciência de um momento fundador.
Folha - Como você compara a brasileira e a original?
Sá - Aqui ela foi muito cortada, sendo que tinha um vigor histórico tal que se manteria com poucas adaptações. Eu vi o original londrino, e mesmo lá tinha imenso impacto. Mas há outras. No Brasil você teve o ressurgimento de culturas regionais. Se fosse para isolar uma em São Paulo, seria "O Livro de Jó", do Antônio Araújo, espetáculo ritual com temas, Aids, Deus, próprios dessa época de uma quebra gigantesca de paradigmas.
E você tem o "Romeu e Julieta" do grupo Galpão, mineiro, dirigido pelo mineiro Gabriel Villela, que era deslumbrante no encontro do teatro de rua, popular, com um texto de Shakespeare, e espelhando um neo-romantismo de fim de século. E o "Auto da Paixão", do Romero de Andrade Lima, pernambucano, de caráter ritualístico até mais profundo. Essas e outras são peças não só de grande criação como sucessos de público. Esse é o meu ideal, tirado do teatro.
Folha - Nelson de Sá é o "açougueiro do Bixiga"?
Sá - Não, mas o "açougueiro da Broadway", Frank Rich, é meu modelo. Eu trabalhei em Nova York no fim dos anos 80 e segui o que ele fez no "New York Times", com a visão que me soou inevitável. A idéia de que o teatro exclusivo do diretor, distanciando-se do público, tinha os dias contados.
Folha - Essa foi uma influência. E outras? Pode-se dizer Paulo Francis, Décio de Almeida Prado.
Sá - O Décio é o mais adorável dos críticos. Mas eu diria que sou quase o seu oposto. O momento é outro, reflito o teatro de hoje. Mas foram diversas influências, eles dois, o Miroel Silveira, para ficar nos críticos de imprensa. Antes deles todos, o Marcelo Coelho.
Folha - O Francis crítico de teatro militava, tinha uma causa.
Sá - A causa dele era a mesma do Décio, era erguer o que eu encontrei quando comecei, que é esse teatro anticomercial. Até a época deles o teatro era concentrado nos grandes comediantes. E eles chegaram com um teatro que privilegiava o drama, o diretor.
Esse teatro, quando eu comecei, estava no limite, rejeitava o público. Já houve mudanças que fazem vislumbrar um teatro aberto, novamente. E o momento é diferente. Eles chegaram com uma geração teatral que queria derrubar outra.
Hoje o que se quer é uma diversidade no palco. É um momento de estilhaçamento estético e não de apontar o norte, a verdade.
Folha - Você milita por uma causa? A impressão, lendo, é que acredita num teatro ritual. Não importa se comercial, experimental, um ritual que envolva o público.
Sá - Está na origem. O teatro na origem é um ritual, o teatro brasileiro na origem é um ritual religioso. O meu gosto, pessoalmente até, o que busco diante das peças é um envolvimento, digamos, de quase epifania. É o meu ideal em tragédia, comédia... As minhas preferências são mesmo comédia e tragédia. Não sou muito de drama.
Folha - Quase toda arte hoje é referente, refere-se a algo anterior. Quer dizer, não tem originalidade?
Sá - Eu não acredito que exista, em qualquer tempo, a geração, a criação de algo inteiramente novo.
Folha - Eu acredito que não, também. Mas não existe alguém com um olhar novo, talvez?
Sá - Esses que eu citei têm um olhar novo. Você pode dizer que Antonio Nóbrega tem a referência de Ariano Suassuna, mas ele não está repetindo. E Shakespeare, para dar um contra-exemplo, não quis ser original, no sentido, digamos, vulgar. "Hamlet" é derivada de outra peça. Shakespeare não se angustiava com a influência.
Folha - O que surpreende é que essa geração não parece ter a "angústia da influência", mas sim a "alegria da influência".
Sá - É por não se preocuparem em ser originais que podem se deixar livres para criar. Acredito eu, que sou um otimista. Eu sei que a gente vive um momento mais de derrocada do que de fundação.
Mas essa diversidade dá uma liberdade tal, um campo tão sem obstáculos, que aponta a possibilidade de construir algo até maior. Eu acredito na arte... Um crítico inglês escreveu outro dia que uma característica do niilismo dos anos 90 é que você acredita profundamente, mas logo se frustra, e acredita de novo, e se frustra. É por aí.

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