São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 1997
Próximo Texto | Índice

Suécia usou deficiente mental como cobaia

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Entre 1946 e 1951, a Suécia utilizou portadores de deficiências mentais como "cobaias" de um experimento científico desenvolvido no país, que tinha como objetivo descobrir as causas da ocorrência de cáries e outras doenças dentárias.
Segundo o diário sueco "Dagens Nyheter", 436 doentes mentais internados no hospital de Vipeholm, em Lund (sul da Suécia), receberam, com frequência variável, mas durante um período de cerca de quatro anos, balas com elevada quantidade de açúcar. Enquanto isso, as consequências do açúcar em seus dentes eram estudadas por cientistas.
Há menos de um mês, o "Dagens Nyheter", o principal jornal sueco, denunciou que a Suécia praticou, durante 41 anos, um programa secreto de esterilização compulsória de pessoas doentes, pobres ou etnicamente "impuras".
A reportagem levou o governo sueco a pedir desculpas e a anunciar que estaria disposto a pagar indenizações.
Embora os resultados do estudo sueco sobre as causas da cárie sejam amplamente conhecidos, é a primeira vez que um jornal de grande circulação denuncia a utilização não-voluntária de doentes mentais na pesquisa, disse à Folha o jornalista Av Sverker Lenas, 23, autor da reportagem do "Dagens Nyheter".
Segundo o jornal, o programa de esterilização e o estudo sobre cárie foram realizados com o conhecimento do governo social-democrata. Na época, estava sendo colocado em prática o sistema sueco de bem-estar social, que se tornou modelo mundial.
"Em 1939, o então primeiro-ministro, o social-democrata Per Albin Hanssons, decidiu melhorar a saúde dentária da população. Por isso, o experimento em Vipeholm foi feito", disse Lenas.
Na época, a cárie era um dos principais problemas de saúde pública no país. Apenas um em cada mil suecos que se alistavam no Exército aos 18 anos tinha todos os dentes. Para estudar as causas da cárie, criou-se o grupo de pesquisa no hospital de Vipeholm.
Em princípio, apenas voluntários participariam do experimento. Mas, de acordo com o jornal, nem os pacientes nem suas famílias chegaram a ser consultados.
"Eles produziram um doce apelidado de 'bala Vipeholm', que era extremamente danoso para os dentes", afirma o jornalista. "Os pacientes comiam as balas até que seus dentes ficassem totalmente destruídos."
Como resultado da experiência, o governo lançou em 1956 uma campanha nacional de combate à cárie. A Suécia tem hoje uma das mais baixas ocorrências de cárie por habitante do mundo. "A experiência demonstrou que comer doce de vez em quando não faz mal aos dentes. O que faz mal é comer doce com frequência", diz Lenas.
Em consequência, foi criada na Suécia a expressão "lõrdaggodis" (doce de sábado). "Todo o doce que você quiser, mas só uma vez por semana", diz-se nos EUA.
Para Av Sverker Lenas, os resultados positivos do experimento não justificam a utilização dos doentes mentais como cobaias.
"Os social-democratas sempre foram racionais e, portanto, abertos ao modo de pensar dos cientistas", afirmou Lenas. "Tanto os doentes mentais quanto as pessoas que foram esterilizadas não contribuíam para a sociedade", diz. "Acho que a economia foi colocada à frente dos valores humanos."

Próximo Texto: Dentista defende pesquisa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.