São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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Resolução renova esperança de 'autorizados'

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A enfermeira Maiane, 31, está entre as primeiras candidatas na fila da cirurgia de mudança de sexo. "Já sonhei tanto que estava perdendo as esperanças", afirma.
Maiane participa do grupo de transexuais do Hospital das Clínicas de São Paulo e guarda em casa, "com cuidado", o que seria seu passaporte para o outro sexo: um laudo médico dizendo que, embora carregue nome e sexo de homens, ela é psicologicamente mulher. O laudo significa que, para ela, a cirurgia é indicação médica.
Maiane, que nasceu no interior da Bahia e que aos 14 anos decidiu que era mulher, já esteve perto da cirurgia. Em 1990, em Salvador, ela chegou a ter nas mãos um laudo psiquiátrico que apontava a necessidade da operação.
Segundo ela, o procedimento foi barrado pelo Conselho Federal de Medicina, o mesmo que agora traz de volta suas esperanças.
Maiane enfrenta as barreiras comuns a todos os transexuais: não apresenta documentos, não consegue viajar e, no trabalho, passa por constantes humilhações. No entanto, os pacientes atendidos por uma morena sorridente não imaginam que estão sendo cuidados por um homem.
Em Belo Horizonte, a modelo Maysa Stuani, 27, voltou a fazer planos. No ano passado, quando era uma das professoras mais "queridas" de Inocência (MS), a cidade chegou a fazer uma festa em sua homenagem. A intenção era juntar dinheiro para "transformá-la em mulher".
O dinheiro não foi suficiente para a cirurgia e Maysa se mudou para Belo Horizonte, onde trabalha como modelo em desfiles de moda. "Estou cada vez mais bonita e cheia de namorados", afirma. A dificuldade -diz ela-, "é explicar que não sou um travesti, mas um transexual".
O último namoro longo foi com alguém do interior de São Paulo. "A mãe dele me adorava, até hoje somos amigas. Ela nunca poderá saber que sou um transexual", diz.
A relação é sempre um "sofrimento", mas todos relatam momentos de felicidade.
Maiane foi casada durante cinco anos. "Hoje prefiro não me expor para não sofrer mais", afirma. "É difícil uma relação quando a cabeça e a alma são femininas e o corpo é masculino", diz.
A manicure Valdirene, a primeira transexual brasileira, que mudou de sexo 26 anos atrás, diz que viveu "feliz com um homem por vários anos". Mesmo com o sexo mudado por uma cirurgia, ela não conseguiu mudar na Justiça seu nome de Valdir.
Tony R., 38, um dos poucos transexuais femininos, chegou a se casar com mais de uma mulher.
Tony nasceu menina e carregava, até dois meses atrás, um nome de mulher de todos os seus documentos. Em maio passado, a advogada Tereza Rodrigues Vieira conseguiu autorização da Justiça para que tivesse seu nome trocado, mesmo não fazendo a cirurgia.
Graças a essa decisão, Tony conseguiu viajar de avião pela primeira vez. Como as companhias aéreas exigem a apresentação da identidade, ele preferia "evitar humilhações'. Tony chegou a ser detido pela polícia quando, calvo e com voz grossa, apresentou uma carteira de habilitação com seu nome de mulher.
Claudia, 23, formou-se em ciências biomédicas e dois anos atrás realizou seu maior sonho: com o dinheiro de uma herança, pagou os R$ 16 mil para uma cirurgia de sexo, casou-se e quer montar um consultório. Até agora, no entanto, não pôde pegar seu diploma porque a Justiça não autorizou a mudança de seu nome.

Excepcionalmente, não será publicada hoje a coluna de Barbara Gancia

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