São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 1997
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"#2" mostra Daúde melancólica

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais um produto de música afrociberdélica brasileira chega às lojas: "#2", de Daúde, disco há muito anunciado e de lançamento até por demais protelado.
Enquanto não vinha, o hit de outrora, "Pata Pata" -coqueluche nos anos 60 por conta da sul-africana Miriam Makeba-, ganhou as rádios na versão pós-Chico Science de Daúde. Começava até a enjoar já.
Agora que veio, há 12 canções a mais para tentar mostrar ao Brasil quem é essa cantora baiana/carioca que procura avançar o sinal do cenário pop pós-mangue beat.
"#2" é um produto complicado. Ele prossegue o que se iniciou com "Daúde" (95), de uma cantora esfuziante, eufórica em repentes e baiões cibernéticos.
Hoje ela volta aparentemente mais melancólica, impressão que as levadas contemporâneas de drum'n'bass (a bela "Une Chanson Triste") vêm agravar. Mesmo num rap matreiro, "A Boca Sujou", Daúde soa algo triste.
Manifesto
Em outra vertente de canções, puxada por "Afrolodum Multimídia", a artista lança o necessário manifesto afrociberdélico. "A fibra ótica é ótima, mas não conduz percussão", diz a letra.
Essa é a imagem: o apego pela raiz, hoje, passa preferencialmente pela fibra ótica; é a tecnologia que permite à música de identidade nacional soar mais nacional -e mais universal.
Pena que, no caso de "Afrolodum" (e de outros momentos do CD, como a desnecessária regravação de "Vamos Fugir", de Gil, com participação de Djavan), o próprio teor do som não concretize de fato o discurso.
Bem, isso acontece só em algumas canções. "#2" contém vários exemplares da boa música parabólica brasileira.
E começa em "Casa Caiada", emblemática composição inédita de primos de Daúde radicados no Candeal e ainda anônimos.
Vai se consumar em dois momentos seguintes. Um deles é "As Baratas", jongo surreal de Darcy da Serrinha. O outro é o sambão-de-dois "Sarambá/Idioma Esquisito" em que ela divide estrambólicos versos com Nelson Sargento (autor dos ditos cujos). É autêntico manifesto pela universalidade da linguagem pop.
Apontam direções. Ao lado de interpretações exuberantes (na tristíssima "Quase", em "Romena", em "Lavanda") prometem uma cantora sofisticada, indisposta a qualquer excesso e predisposta ao uso consequente de conceito.
Melhor: indicam, após superadas as irregularidades que ainda predominam, uma artista inteligente -coisa rara por aí. Tomara que a gravadora não cometa a bobagem de expô-la como curiosidade de circo -ela não se presta a isso.
(PAS)

Disco: #2
Artista: Daúde
Lançamento: Natasha
Quanto: R$ 18, em média

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