São Paulo, sexta-feira, 26 de setembro de 1997
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"A Ostra" encena vertigem do desejo

JOSÉ GERALDO COUTO

O Cinema Novo brasileiro foi frequentemente acusado de ter muito papo (sobretudo político) e pouco cinema. O veterano Walter Lima Jr., uma espécie de ovelha desgarrada do movimento, mostra a cada filme que seu caso é o oposto. "A Ostra e o Vento", concebido como fecho de uma trilogia iniciada com "Inocência" (1982) e "Ele, o Boto" (1986), é cinema puro.
A história que o filme conta é, em princípio, simples. Há uma menina, Marcela (a extraordinária Leandra Leal), que vive numa ilha deserta com seu pai, o faroleiro José (Lima Duarte), e o ajudante deste, Daniel (Fernando Torres).
Mas essa história não é contada linearmente, e sim "em círculos", como o movimento da luz que o farol da ilha lança no céu e no mar.
O filme começa quando o velho Daniel volta à ilha depois de uma longa ausência e, ao não encontrar ninguém, tenta reconstituir o que aconteceu a partir do diário deixado pela menina. No centro de tudo está o despertar do desejo de Marcela, que não tem como extravasá-lo no mundinho a que está presa, sob o tacão autoritário e possessivo do pai.
Há pelo menos uma imagem antológica: a da primeira menstruação de Marcela, quando o pano de seu vestido cor de areia vai lentamente se empapando de vermelho.
Passado e presente se entrelaçam, personagens entram e saem de cena, mas o que dita o ritmo e a respiração do filme é a sintonia entre a sexualidade de Marcela e o movimento da natureza (o vento, a areia, o mar). É preciso deixar-se levar por esse tempo cíclico, mágico e sensual para embarcar em "A Ostra e o Vento".

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