São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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A volta dos postos de saúde

CARLOS ALBUQUERQUE

As longas filas das emergências dos hospitais públicos são hoje um dos maiores desafios enfrentados pelo nosso sistema de saúde. É possível acabar com elas? Claro que sim. Está comprovado que cerca de 80% das pessoas que procuram as emergências vão até lá por absoluta falta de opção.
Se pudessem passar antes por um posto de saúde, certamente não estariam ali. Uma rede eficiente de postos poderia servir como um dique para atender as pessoas que engrossam as filas dos hospitais em busca de tratamento para a cura dos males mais corriqueiros, como febre alta, diarréia ou forte enxaqueca.
Como os postos estão, em sua grande maioria, relegados ao abandono, quem necessita de qualquer serviço médico acaba se dirigindo às emergências e prontos-socorros. Com isso, há uma demora no atendimento, e quem precisa realmente dos serviços de emergência é prejudicado.
Procedimentos que podem ser prestados nos postos de saúde resolveriam a grande maioria dos casos que hoje estrangulam a capacidade de atendimento dos grandes hospitais.
Para colocar as coisas em ordem não é preciso muito. Para começar, basta um pouco de criatividade. Um bom exemplo disso foi dado neste ano pela Secretaria da Saúde de Pernambuco. Com um imaginativo slogan -"emergência boa é a que está perto"-, a secretaria organizou um bem-sucedido esquema para atender a população nos dias de Carnaval.
Foram colocados cartazes nos ônibus e nos táxis de Recife, orientando a população sobre os locais e serviços especializados mais próximos. Graças a essa iniciativa, a cidade conseguiu desengarrafar as filas das emergências durante o Carnaval.
As secretarias estaduais e municipais da Saúde precisam voltar a dar atenção prioritária à reativação dos postos de saúde, nos quais o atendimento básico se aproxima do cidadão, de sua casa e de sua família.
Atuando em estreita cooperação com o Programa Saúde da Família, os postos de saúde podem liberar os grandes hospitais para aquilo que só eles podem fazer: prestar um atendimento de alta complexidade e fazer internações inadiáveis.
A ênfase exagerada na medicina curativa, que vem comandando há décadas o sistema de saúde em nosso país, colocou os hospitais como centro de gravidade da prestação de ações e serviços de saúde. Essa concepção "hospitalocêntrica" vem sendo questionada não só aqui, mas também nos países desenvolvidos.
É caro demais e, muitas vezes, pouco eficiente manter um hospital. Os Estados Unidos -país que mais longe levou esse modelo- reviram sua posição e há anos vêm fechando hospitais e investindo pesadamente em medicina de família.
Estamos mudando a visão tradicional que dirigiu até aqui os passos de nossa política de saúde, passando a dar maior atenção a ações preventivas.
Para viabilizar essa proposta, é fundamental que os postos de saúde voltem a ser o que eram no passado. O seu renascimento, associado ao programa de médicos de família e ao trabalho dos agentes comunitários e articulado com a rede hospitalar, dará ao sistema de saúde brasileiro o nível de eficiência tão justamente cobrado pela população.

Carlos César de Albuquerque, 57, é ministro da Saúde. Foi diretor do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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