São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Justiça e excessos

EDSON SARDANO

"Se a justiça parece vingança, como se há de impedir que os homens acreditem que a vingança pode ser justiça?" Assim escreveu o dramaturgo espanhol Jacinto Benavente, Prêmio Nobel de Literatura em 1922. A frase serve exatamente para o momento que atravessamos hoje. Numa espécie de catarse coletiva, o júri popular escalado para decidir o futuro do ex-PM Maurício Louzada colocou todos os "fantasmas" para fora e propiciou um veredicto pouco indulgente: 27 anos de cárcere.
Por ser policial militar, defensor intransigente dos direitos humanos, fiquei tão chocado quanto todos (ou mais) com as atrocidades dos então policiais militares de Diadema, que mancharam a história da PM e da espécie humana com o caso da favela Naval.
A mesma gravação que permitiu ao mundo testemunhar o brutal assassinato do conferente Mário Josino possibilitou com igual segurança constatar a real participação de cada um dos ex-PMs.
Em um caso raro de unanimidade, o ex-soldado PM Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, atraiu para si todo o ódio da sociedade e teve uma pena à altura. Mas o ódio, depois de despertado, perdeu o controle e prosseguiu em sua sanha desenfreada, travestindo-se de uma forma tão conhecida quanto nefasta: a vingança.
Louzada não é nenhum modelo de profissionalismo, mas as mesmas cenas que condenaram Rambo mostraram com clareza que ele não matou ninguém. Qual a razão da condenação, então? Quem sabe Freud, que adaptou a catarse aristotélica, pudesse dar uma resposta mais científica, pois a que salta aos olhos é simples: "lapidação eletrônica". Não há pessoa, instituição ou convicção que suporte o bombardeio permanente de uma poderosa emissora de TV.
Diz o artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que "todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele". Louzada exorbitou, humilhou, agrediu e paga por isso.
Foi expulso da PM em um processo célere, porém justo; está preso há quase dois anos, foi humilhado e, com certeza, o será pelo resto da vida. Não será o suficiente?
O que caracteriza a justiça não é o lado do qual ela parte, mas como ela se concretiza. Creio que, passado o "frisson" dos holofotes, todos os que encararam um ser humano, criminoso ou não, como personagem de um "Você Decide" qualquer terão contas a ajustar com as próprias consciências. Nosso personagem pode passar os próximos 25 anos na cadeia porque discamos o número errado.

Edson de Jesus Sardano, 39, é bacharel em direito e capitão da Polícia Militar de São Paulo.

Texto Anterior: Mega Sena deverá pagar R$ 32 milhões
Próximo Texto: Doença responde por 2,18% do total de mortes
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.