São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
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Por um movimento contra a recessão

JORGE MATTOSO

O Plano de Estabilização Fiscal, recentemente lançado pelo governo com forte apoio financeiro capitaneado pelo FMI e acompanhado de velhas e novas condicionalidades, preservou o marco geral das políticas econômicas: a abertura econômica indiscriminada, a subordinação à lógica financeira, os elevados juros e a sobrevalorização cambial.
Esse pacote fiscal trouxe em seu bojo, como resultado imediato da adição de novos cortes de gastos sociais e da elevação de impostos cumulativos, uma maior retração das atividades econômicas, que já vinha ocorrendo pela elevação dos juros, com extraordinárias consequências sobre as já combalidas estruturas macroeconômica, produtiva e do mercado de trabalho nacional.
Efetivamente, diferentes projeções apontam para uma acentuada retração das atividades produtivas em 1999 -recentemente, o banco JP Morgan previu 4,3% de queda na produção nacional-, com aprofundamento do processo deflacionário e manutenção de taxas de juros médias elevadas.
Mais profunda que as recessões ocorridas no início dos anos 80 e 90, esta, iniciada em 1998 e ampliada em 1999, assenta-se sobre uma economia profundamente vulnerável e desestruturada. Vários elos da cadeia produtiva encontram-se rompidos, ampliou-se a desnacionalização de muitos setores econômicos, as contas públicas estão desajustadas, as contas externas estão crescentemente deficitárias e desequilibradas, o endividamento interno e externo é cada vez maior, a arrecadação fiscal é cada vez menor e o mercado de trabalho encontra-se profundamente desestruturado.
As taxas de desemprego são atualmente as mais elevadas da história, independentemente da metodologia utilizada para sua medição. Segundo a Fundação Seade e o Dieese, as taxas de desemprego corresponderiam a cerca de 20% nas regiões metropolitanas -ou seja, um em cada cinco membros da População Economicamente Ativa estaria desempregado.
Entretanto, a profunda deterioração das condições do mercado de trabalho não pode ser avaliada exclusivamente pelo desemprego. A ampliação da informalidade e de condições e relações de trabalho crescentemente precárias caracterizam um verdadeiro processo de desassalariamento e desestruturação do mercado de trabalho nacional.
Hoje, mais de 50% dos ocupados (ou seja, cerca de dois em cada cinco ativos) estariam nessa situação de informalidade e precariedade das condições e relações de trabalho. Dessa maneira, cerca de três em cada cinco pessoas economicamente ativas encontram-se desempregadas ou em atividades informais ou precárias nas principais regiões metropolitanas.
É sobre essas condições de desestruturação que se assenta a recessão gerada pelo Plano de Estabilização Fiscal. No primeiro semestre de 1999, as taxas de desemprego poderão elevar-se a valores entre 25% e 30%, e ocorrerá uma ainda mais intensa deterioração das condições de trabalho. A desestruturação da produção e do emprego nacional alcançará, então, níveis absolutamente inusitados, e aumentará sobremaneira a possibilidade de ocorrência de uma grave crise social.
Nenhum país convive pacificamente com recessão e desemprego gerados por suas próprias políticas econômicas. No Brasil, dada a manutenção de acentuados níveis de desigualdade e pobreza, recentes períodos recessivos desembocaram em movimentos sociais de natureza e dimensões significativas. As recessões ocorridas nas duas últimas décadas, apesar de menos intensas do que a que se consumará em 1999 e ocorridas após um longo período de crescimento econômico (início dos anos 80) ou mantendo a estrutura da produção e do emprego nacional (início dos anos 90), foram sucedidas pelos movimentos pelas Diretas-Já e pelo impeachment de Collor.
Ao final da década de 90, o panorama da produção e do emprego nacionais é mais grave que aquele observado ao final da década de 80. Não se trata apenas de outra década perdida. Agora estamos diante de uma recessão mais profunda e sobre a base da grave desestruturação ocorrida durante a década de 90, quando reinaram as políticas irresponsáveis de abertura indiscriminada, de ausência de defesas da indústria, da agricultura e do emprego nacionais, com elevados juros e câmbio sobrevalorizado.
Inverter essa situação exige mais que a resistência isolada de setores sociais e econômicos atingidos. Só a articulação e a mobilização de uma ampla força social e política, com a participação de trabalhadores, classe média e empresários, conformando um novo movimento contra a recessão e o desemprego, poderá alavancar um novo projeto nacional que revalorize a nação, o desenvolvimento econômico e a justiça social.

Jorge Eduardo Levi Mattoso, 49, é professor e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É autor de "Desordem do Trabalho", entre outros livros.
E-mail: jmattoso@turing.unicamp.br

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