São Paulo, sexta-feira, 4 de dezembro de 1998
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"Filme incita ódio aos árabes"

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Terroristas muçulmanos invadem um ônibus em Nova York. Um agente do FBI pede que libertem as crianças. A porta se abre, e elas correm -salvas. A negociação continua. Na vez dos idosos, abre-se a porta, mas resolvem explodir o ônibus. A matança deixa claro que o diálogo não resolve.
Novos atentados assolam a cidade. Os suspeitos são pessoas "que falam árabe e têm entre 14 anos e 30 anos". Ainda, "escondem-se entre os de sua etnia". A solução é abrangente: aprisionar a comunidade árabe em campos de concentração. Homens e mulheres, crianças e idosos indistintamente.
Essas são algumas das cenas de "Nova York Sitiada" (The Siege) que causaram polêmica nos Estados Unidos. Os extremistas não fazem reivindicações. Suspeita-se apenas que queiram a libertação de um líder religioso. Mas o filme esclarece o porquê da violência: "'Essa gente' aprende que morrer por Allah é bonito". E "enganam, desde os 12 anos, as pessoas".
No filme, o representante do Comitê Árabe-Americano Antidiscriminação se coloca à disposição dos "heróis", e os líderes da comunidade árabe oferecem seu "apoio total". A decisão do confinamento nos campos vem logo depois.
Na vida real, Hussein Ibish, diretor desse comitê, disse à Folha, por telefone, que o filme "não distingue muito bem entre sua própria fantasia e a realidade. Estabelece uma ligação nítida entre árabes, muçulmanos e terrorismo. A mensagem é que os árabes que vivem nos EUA são perigosos".
Segundo Ibish, "o filme retrata uma catástrofe. A sociedade é desafiada por uma ameaça existencial e apresenta o que tem de melhor e pior. Normalmente as catástrofes são vírus, cometas vindo em direção à Terra... Nesse caso, são os árabes. O filme é uma incitação ao ódio e a crimes contra os descendentes de árabes. Por isso a associação organizou protestos nas maiores cidades dos EUA".
Para o jornalista libanês Lameh Smaili, naturalizado brasileiro, "querem mostrar que o muçulmano pode machucar e que as pessoas devem tomar cuidado com os que têm nomes estranhos, de origem árabe. Estão dando uma aula de preconceito. Nos velhos filmes de faroeste, os índios eram bichos. Agora, nós viramos bichos".
O filme mostra que o terrorista, antes de cometer um atentado, faz a ablução (ritual de purificação, geralmente por meio da água, realizado antes da oração). A associação faz com que, quando um muçulmano começa a fazer a ablução, uma agente da CIA se desespere: "O que você vai fazer?".
"A ablução é feita pelo muçulmano cinco vezes ao dia porque ele reza cinco vezes ao dia. Ela faz parte do cotidiano do muçulmano. É o mesmo que dizer que, toda vez que ele faz a ablução para rezar, está querendo matar alguém."
Smaili afirma que "um filme como esse pode dar sustentação à repressão na região das três fronteiras (Brasil, Argentina e Paraguai) contra qualquer suspeito de ser de origem árabe".

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