São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÍTICA COMÉDIA

Espetáculo atravessa abismo da crise da representação teatral

"Antes da Coisa Toda Começar" encena luta de um ser contra os próprios fantasmas em narrativa não linear


A OPÇÃO É PELO EMPILHAMENTO DE REFERÊNCIAS, VAGAMENTE IMANTADAS NO EIXO TEMÁTICO DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA


LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O espetáculo posto em risco. "Antes da Coisa Toda Começar", da Armazém Cia. de Teatro, é um corajoso mergulho na indefinição das formas teatrais contemporâneas. Sem facilitar a recepção, impacta com a matéria cênica em bruto, carregada de sons e desempenhos.
O encenador Paulo Moraes, mais uma vez, escreve a dramaturgia em parceria com Maurício Arruda Mendonça. Os autores radicalizam na estrutura dramática, abdicando de um fio narrativo linear. A opção é pelo empilhamento de referências e narrativas, vagamente imantadas no eixo temático da criação artística.

ESTILHAÇOS
O ponto de partida é a suposição de que o espectro de um ser humano -ex-ator, personagem ou emanação- esteja em luta com seus próprios fantasmas.
Estes configuram identidades prosaicas com arcos de ação que se desenvolvem em paralelo, mas tendo em comum a hipótese de uma imaginação atormentada estilhaçando-se em fragmentos de sentido.
Para efetivar essa ciranda de encarnações fugidias, a utilização de canções e a pontuação musical constante são uma opção feliz. Todo elenco reveza-se para sustentar um denso pano de fundo sonoro, articulado pela sutil direção musical de Ricco Viana.
Outro aspecto decisivo é a cenografia do próprio Paulo Moraes e de Carla Berri, que configura um jogo fascinante de paredes móveis, ora armando um espaço de confinamento, ora expandindo-se e acolhendo a projeção de imagens de forma orgânica.
Poucos adereços engenhosos servem ainda aos fiapos de ficção remanescentes. Este aparato cênico seria inútil não fosse o extraordinário desempenho dos intérpretes. A começar por Ricardo Martins, compondo a difícil e imaterial figura do espectro e dobrando em um vibrante travesti.
Thales Coutinho, como o ator em crise, é pungente, e a sempre ótima Patrícia Selonk fulgura como uma adolescente inflamada de desejos.
O maior destaque é Rosana Stavis, que se confirma como uma das grandes atrizes brasileiras no momento ao cantar alguns rascantes números musicais com a energia de uma diva.
Camila Nhary, Simone Viana e Marcelo Guerra, assumindo vários papéis, completam o quadro de excelência das interpretações. "Antes da Coisa Toda Começar" é uma travessia no abismo da crise da representação dramática. Sem pretender redenções, procura trilhas possíveis para continuar narrando algo. Ainda que seja o irredutível embate entre o vivo e o morto.

ANTES DA COISA TODA COMEÇAR

QUANDO qua. a sáb., às 19h30, e dom., às 18h; até 3/4
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, 3113-3651)
QUANTO de R$ 15
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo


Texto Anterior: Destaques da programação
Próximo Texto: Crítica/Dança: "Beije Minha Alma" peca por falta de contexto brasileiro
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.