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ARTES PLÁSTICAS
Rennó mostra imagens vivas de um tempo morto
EDER CHIODETTO
FREE LANCE PARA A FOLHA
A fotografia vista como
salvaguarda da memória afetiva e ao mesmo tempo como
processo que desencadeia a amnésia social são alguns dos motes
da série "Corpo da Alma", que a
artista Rosângela Rennó exibe na
3ª Mostra do Programa de Exposições 2004, em cartaz no Centro
Cultural São Paulo, junto com os
artistas Dudi Maia Rosa e Paulo
Pasta, além dos trabalhos de mais
sete novos artistas escolhidos por
uma comissão.
"Corpo da Alma" (2003/2004) é
uma série desenvolvida a partir de
fotografias publicadas em jornais,
manipuladas em computador para ficarem com a aparência de retícula de impressão. Parte das
imagens foram posteriormente
gravadas em aço inoxidável e outra parte colada diretamente na
parede com vinil auto-adesivo.
As imagens mostram pessoas
em manifestações públicas exibindo o retrato de parentes mortos ou desaparecidos, além de fotografias de líderes religiosos ou
políticos que aparecem em meio a
protestos.
Tal uso de imagens para invocar
a presença das pessoas que não se
encontram no espaço-tempo reforça a vocação da fotografia para
a afirmação inconteste de que as
coisas, e as pessoas, existiram.
É, em parte, o que escreveu Roland Barthes em "A Câmara Clara": "Esses fotógrafos que se movimentam no mundo, dedicando-se à captura da atualidade, não sabem que são agentes da morte. É o
modo como nosso tempo assume
a morte: sob o álibi do perdidamente vivo... Pois é preciso que a
morte, em uma sociedade, esteja
em algum lugar; se não está mais
(ou está menos) no religioso, deve
estar em outra parte: talvez nessa
imagem que produz a morte ao
querer conservar a vida. Contemporânea do recuo dos ritos, a fotografia corresponderia talvez à intrusão, em nossa sociedade, de
uma morte assimbólica..."
Por outro lado, Rennó recicla
sua tese da amnésia social. Fotografar, então, seria o primeiro
movimento no sentido de esquecer, ou seja, uma vez fotografado
um evento liberamos nossa memória da obrigação de retê-lo.
Parentes empunhando a imagem de entes queridos desaparecidos seria, nessa medida, a reificação de sentimentos como paixão, saudade e nostalgia. A nostalgia de ter sido, que encerra a gênese da linguagem fotográfica.
Ao abarcar de forma poética e
politizada a questão do ter sido na
fotografia, Rennó utiliza da forma
para dar contornos ainda mais
contundentes a questões afins. Ao
observar as imagens gravadas em
aço inoxidável, o visitante se vê refletido com sua imagem justaposta a obra.
A fotografia original, que mostra uma imagem antiga dentro de
outra imagem que também já é
passado, ganha a adição do reflexo, uma imagem do presente que
emerge difusa, um ser em flagrante processo de opacidade, fadado
ao desaparecimento e ao esquecimento também.
Barthes dá outra chave: "A fotografia é a imagem viva de uma
coisa morta". Rennó retrabalha a
fotografia como registros do transitório que flagram o corpo mas
nem sempre retêm a alma.
III Mostra do Programa de Exposições 2004
Onde: Centro Cultural São Paulo (r.
Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611)
Quando: até dia 26, de ter. a sex, das 10h
às 20h; sáb e dom. das 10h às 18h
Quanto: entrada franca
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