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comentário
Ceia acaba em gincana com ares de trem-fantasma
NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA
"Agora, vamos colocar as
vendas nos olhos." Não, não
estamos em um clube sadomasoquista, mas em um restaurante sofisticado dos Jardins. Mesmo assim, o clima é de excitação, com direito a
gritinhos e risos de nervoso.
Parece que vamos entrar
num trem-fantasma gastronômico. Tudo porque comeremos às escuras, sem enxergar absolutamente nada.
A idéia é que o prato seja
saboreado com mais empenho. Só que não é isso o que
acontece. A preocupação em
conseguir comer usando garfo e faca passa a ser maior
que tudo. Se você enfia algo
na boca, imediatamente se
considera vitorioso e esperto, como se ganhasse uma
gincana. E a competição começa com bebida (mais fácil)
e evolui para a entrada.
Perco pontos já na segunda prova... Colocar com as
mãos duas tortinhas na boca
é fácil. Engolir um pepino recheado também. Só que depois percebo que o recheio
havia escorrido e transformado a toalha branca em algo parecido com um uniforme de açougueiro. Detalhe:
nenhuma pessoa do lado tinha cometido a mesma gafe.
Mas a maior vantagem de
comer de olhos fechados é
que você está cercada por outros vendados. E o seu mico
passa batido. A não ser que
seu vizinho de mesa seja tão
espírito de porco (como eu) e
resolva levantar a venda algumas vezes só para ver que
outras pessoas também cometem gafes.
Todos que eu vi tentavam
cortar a carne com o lado errado da faca. Hora da vingança. A vegetariana aqui recebe
um prato mais fácil de comer... Mas o que é isso? Primeiro acho que é um risoto.
A repórter de gastronomia
da Folha sente o cheiro e
"me avisa" que tem curry.
Claro, então é um cuscuz
marroquino. Quando tiro a
venda, dou de cara com um
arroz com curry, cenoura
(que eu não tinha identificado) e broto de feijão. Comi
tudo sem saber o que era.
Na hora da sobremesa,
sinto-me uma criança de
dois anos tentando comer
pela primeira vez. Dou uma
colherada, e a colher volta
vazia. Tento outra, vazia novamente. Acabo comendo a
calda antes do sorvete.
Além de acertar a boca, é
difícil ouvir a conversa dos
outros. Se você tem esse vício, prepare-se. Tudo o que
consegue escutar em um restaurante lotado com os olhos
vendados é uma massa sonora. Bem, ao menos dá para
fofocar. Pois, se os outros
também estão vendados, não
vão escutar o que disser.
Terminado o jantar, alívio.
Andamos de trem-fantasma
e ganhamos uma gincana ao
mesmo tempo. Difícil é lembrar, depois de tanto esforço,
do gosto da comida.
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