São Paulo, sábado, 03 de junho de 2006

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Crítica/cinema

Ozon domina técnica cinematográfica, mas não apaixona em filme sobre amor

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"As histórias de amor acabam mal, em geral", dizia uma canção pop. Aquilo que todo mundo meio que sabe, mas insiste em ignorar, serve de base para "O Amor em Cinco Tempos", mais um exercício de observação da alma do diretor francês François Ozon. Na falta do que mais inventar para contar uma das histórias mais velhas da humanidade -a do casal que se encontra e se apaixona, se casa, tem filhos, entra em crise e se separa-, Ozon recorre ao artifício de inverter a ordem cronológica. Começa pelo divórcio diante do juiz e recua cada passo, o que cria um efeito demonstrativo semelhante ao proposto por Gaspar Noé no incômodo "Irreversível". Mas, apesar dessa estripulia narrativa (na verdade, um fogo de artifício que seduz e apaga rápido), o filme de Ozon é consumido antes do fim por sua própria vacuidade. Mesmo que seja inegável o domínio de cinema que o diretor demonstre ter -os planos são elegantes, a direção de atores é memorável-, seus filmes sempre esbarram no muro de abstrações que o cineasta constrói. Sua habilidade em escrever roteiros sabichões nunca se casa com seus reais talentos cinematográficos, e o resultado são filmes que se crêem mais inteligentes do que são (ou pior, mais demonstrativos que o necessário, o que põe tudo a perder, como a segunda hora de "Swimming Pool"). Aqui, como em "Gotas d'Água sobre Areia Escaldante", Ozon retoma a visão de mundo de Rainer Werner Fassbinder, uma de suas referências, para interpretar o infalível nexo entre desejo e destruição. "O Amor É Mais Frio que a Morte", proclamava Fassbinder já no título de seu primeiro longa. "Todo Homem Mata Aquilo que Ama", cantava a personagem de Jeanne Moreau em "Querelle", o derradeiro trabalho do gênio alemão. Mas, enquanto em Fassbinder a idéia não paira acima de sua crença no peso das histórias, Ozon é como um professor de matemática que não converte seu esforço de demonstração em genuína paixão. É importante, contudo, apontar que o fracasso de "O Amor em Cinco Tempos" foi bem absorvido por Ozon. Ele pôde entender que a mera inversão cronológica não lhe deu acesso a segredos do tempo e retomou a investigação com resultados muito mais satisfatórios no escandalosamente belo "O Tempo que Falta", o filme que fez em seguida a este. Ali, como lembra o título, Ozon abandona a faculdade reativa da memória e captura o choque da consciência da morte na vida de um personagem de 30 anos tomado por um câncer. Assim, ele deixa de lado o tempo morto do álbum de retratos e se volta para o tempo da vida, aquele em que permite a qualquer um pensar que "ainda dá tempo".


O AMOR EM CINCO TEMPOS   
Direção: François Ozon
Produção: França, 2004
Com: Valeria Bruni Tedeschi, Stéphane Freiss


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