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Crítica/cinema
Ozon domina técnica cinematográfica, mas não apaixona em filme sobre amor
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
"As histórias de amor
acabam mal, em geral", dizia uma canção pop. Aquilo que todo mundo meio que sabe, mas insiste
em ignorar, serve de base para
"O Amor em Cinco Tempos",
mais um exercício de observação da alma do diretor francês
François Ozon.
Na falta do que mais inventar
para contar uma das histórias
mais velhas da humanidade -a
do casal que se encontra e se
apaixona, se casa, tem filhos,
entra em crise e se separa-,
Ozon recorre ao artifício de inverter a ordem cronológica.
Começa pelo divórcio diante
do juiz e recua cada passo, o que
cria um efeito demonstrativo
semelhante ao proposto por
Gaspar Noé no incômodo "Irreversível". Mas, apesar dessa
estripulia narrativa (na verdade, um fogo de artifício que seduz e apaga rápido), o filme de
Ozon é consumido antes do fim
por sua própria vacuidade.
Mesmo que seja inegável o
domínio de cinema que o diretor demonstre ter -os planos
são elegantes, a direção de atores é memorável-, seus filmes
sempre esbarram no muro de
abstrações que o cineasta constrói. Sua habilidade em escrever roteiros sabichões nunca se
casa com seus reais talentos cinematográficos, e o resultado
são filmes que se crêem mais
inteligentes do que são (ou
pior, mais demonstrativos que
o necessário, o que põe tudo a
perder, como a segunda hora de
"Swimming Pool").
Aqui, como em "Gotas d'Água sobre Areia Escaldante",
Ozon retoma a visão de mundo
de Rainer Werner Fassbinder,
uma de suas referências, para
interpretar o infalível nexo entre desejo e destruição. "O
Amor É Mais Frio que a Morte", proclamava Fassbinder já
no título de seu primeiro longa.
"Todo Homem Mata Aquilo
que Ama", cantava a personagem de Jeanne Moreau em
"Querelle", o derradeiro trabalho do gênio alemão.
Mas, enquanto em Fassbinder a idéia não paira acima de
sua crença no peso das histórias, Ozon é como um professor
de matemática que não converte seu esforço de demonstração
em genuína paixão.
É importante, contudo,
apontar que o fracasso de "O
Amor em Cinco Tempos" foi
bem absorvido por Ozon. Ele
pôde entender que a mera inversão cronológica não lhe deu
acesso a segredos do tempo e
retomou a investigação com resultados muito mais satisfatórios no escandalosamente belo
"O Tempo que Falta", o filme
que fez em seguida a este.
Ali, como lembra o título,
Ozon abandona a faculdade
reativa da memória e captura o
choque da consciência da morte na vida de um personagem
de 30 anos tomado por um câncer. Assim, ele deixa de lado o
tempo morto do álbum de retratos e se volta para o tempo
da vida, aquele em que permite
a qualquer um pensar que "ainda dá tempo".
O AMOR EM CINCO TEMPOS
Direção: François Ozon
Produção: França, 2004
Com: Valeria Bruni Tedeschi, Stéphane Freiss
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