São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

Excesso de pompa ameniza o impacto do texto de Neil LaBute em montagem de Monique Gardenberg

Embalagem luxuosa tira a força de "Baque"

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando Monique Gardenberg surgiu como diretora em "Os Sete Afluentes do Rio Ota", uma interessante polêmica foi levantada: não estaria ela agindo ainda apenas como produtora, ao importar um espetáculo já pronto? O endosso de público e crítica provou que não. Primeiro porque os atores não reproduziam uma fórmula pré-moldada e imposta por contrato (como no teatro Abril, que só contenta aqueles que têm com teatro a mesma exigência que têm com pizzarias). Com performances inesquecíveis, um elenco de estrelas reatualizava a experiência dos atores da cia. de Robert Lepage, endossando o espaço que a diretora/produtora lhes confiava.
Por outro lado, a eloqüência da cenografia, com monitores de TV e palcos simultâneos, nunca era gratuita. Constituía o vocabulário de Lepage. Em sua segunda direção, no entanto, "Baque", peça de Neil LaBute composta de três monólogos, as exigências são diferentes, e para elas a qualificação de Gardenberg é bem menor.
Como já provou em seus filmes, a força de Neil LaBute está nos diálogos incisivos, nas situações despojadas nas quais um pequeno desvio de conduta pode revelar abismos de crueldade. Assim, o bom mocismo com o qual a platéia de início se identifica é destruído por revelações bruscas do preço que cada personagem pagou pela felicidade aparente. Tais "baques" têm peso diferente: em "Ifigênia em Orem", um executivo, entre a morte da filha e a promoção, é devorado pela culpa; em "Um Bando de Santos", um casal de caipiras se torna assassino para preservar a pretensa ordem puritana do mundo.
No primeiro monólogo e no segundo (que na verdade são dois monólogos sobrepostos), o cenário serve apenas para assinalar que os personagens vêm da classe alta. Nada deve distrair o público, nesse despojamento de tragédia grega, do desmascaramento progressivo de uma classe que tenta varrer a culpa sob uma ideologia na qual o fim justifica os meios.
Por isso, o bar inicial, indicado por garrafas no projeto do cenógrafo-arquiteto Isay Weinfeld, ainda pode soar quase como uma ironia, o sofisticado camuflando o infame. Mas esse efeito é garantido pela grande performance de Emílio de Mello, que sabe dosar tons, aprofundar pausas e revoltar ao mesmo tempo que comove, na dialética da catarse grega.
Na segunda peça, o espetáculo se perde. A adaptação de Geraldo Carneiro erra feio ao ambientar a trama (um casal de mórmons de Utah deslocados no cosmopolitismo e tolerância sexual de Nova York). Transfere para paulistanos no Rio de Janeiro e troca uma perturbadora discussão religiosa por uma disputa tola, justamente em um momento no qual o puritanismo religioso é relevante, especialmente no Rio de Janeiro.
O cenário, então, se perde em luxos inúteis, com projeções redundantes, embora belas. Os atores, desta vez, não seguram, e o tom caricatural gera o riso mais do que a indignação.
O terceiro monólogo contrasta com os outros e parte de um personagem excluído, uma mãe solteira quase adolescente. O esforço para a atriz deve ser bem maior para não cair na performance pela performance, e infelizmente Deborah não escapa à armadilha.
O esmero da produção raramente é motivo de demérito de um espetáculo. Neste caso, no entanto, a montagem corre o risco de amenizar o impacto das palavras por um excesso de luxo e, por fim, soar mais como um endosso que como um desmascaramento.


Baque
  
Onde: teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan, 860, Morumbi, tel. 3188-4141)
Quando: sex., 21h30; sáb., 21h; dom., 18h; até 30/10
Quanto: R$ 40


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