São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2005

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CINEMA

Ação encarna confusão entre máquina e humano

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tudo converge para uma idéia em "Ameaça Invisível": evolução. Primeiro, a evolução de nossa geopolítica. Por tabela, da indústria militar: num futuro próximo, um projeto é instalado no Exército americano visando sucesso contra o terrorismo. Três craques são escolhidos para pilotar aviões capazes de rasgar fronteiras e detonar, sem seqüelas urbanas, um prédio que sedia um congresso de malfeitores na Ásia, por exemplo. Problema: no grupo ingressa um quarto componente, EDI, avião inteligente que se revelando dono de vontades e sentimentos, o que desnorteará as forças armadas e causará tragédias por aí. Como controlar essa criatura será o ponto.
Quase toda a ação do filme ocorre no céu, cenário que a parafernália digital do diretor Rob Cohen reinventa com uma frieza plastificada sedutora. Nele, nosso olhar é conduzido de um jeito que nos deixa como que flutuando, suspensos entre nuvens e vulneráveis em uma tempestade de destroços, por exemplo.
Outra proposta de Cohen é que com esses aviões velozes viajemos mundo afora como se milhares de quilômetros fossem alguns metros, fazendo-nos sentir geografias inteiras em metamorfose e o tempo congelado, quando não dissolvido. Estamos imersos nesse ambiente celeste paralelo, participando de uma lógica só dele. Sem noção exata do quanto passou entre uma missão e outra, nem de onde estamos, ora sobre o Alasca, ora em florestas coreanas, perseguindo ou fugindo de EDI.
Aqui se configura outro aspecto de evolução, este no próprio cinema: o cinema de ação evolui para essa indeterminação narrativa. Para um estado de sonho, quase de fantasia, também nutrido por batalhas captadas como nervosas danças aéreas de fuselagens que cospem luzes. Auxiliada por alta tecnologia gráfica, o que faz a câmera, sempre robótica, de Cohen -esculpindo ângulos impossíveis- é manipular a platéia em uma experiência sensorial. Os sentidos são explorados e convocados a um misto de contemplação e emoção intensa.
A evolução militar se entrelaça com a do cinema de ação: EDI, uma engenharia artificial, evoluirá para o máximo humano; os procedimentos visuais de "Ameaça" -em tudo artificiais- objetivam o que há de mais humano: sensações. Assim, o filme não só trata (em EDI) dessa confusão entre humano e máquina, ele a encarna. Ele é a confusão. Há exuberância nisso, mas há também um rastro de incrível fugacidade, e morbidez, nesse registro, superevoluído, supereletrizante, do filme de Cohen. Nele, cada imagem nasce e se dissipa rapidamente, e a tendência é superar seus métodos a cada estação. Para onde evoluirão nossos sentidos?
A ironia é o roteiro concluir que, sob o risco da insânia, cabe ao corpo militar dos EUA reavaliar a sede de evolução, ainda que a cultura bélica -elevada ao espetáculo- faça parte de sua essência.


Ameaça Invisível
Stealth
  
Direção: Rob Cohen
Produção: EUA, 2005
Com: Jamie Foxx, Josh Lucas
Quando: em cartaz nos cines Metrô Tatuapé, SP Market e circuito


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