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"René" mostra 20 anos na vida de um prisioneiro
Diretora acompanhou personagem que escreveu três livros em cadeia tcheca
Helena Trestikova conta, em entrevista à Folha, por que decidiu filmar a vida de René mesmo depois de ter seu apartamento roubado por ele
CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao acompanhar por quase 20
anos um personagem viciado
em transgredir as leis da República Tcheca, a diretora Helena
Trestikova, 59, virou mãe, amiga, mantenedora e vítima.
René Plasil, objeto do documentário que leva seu nome, tinha 17 anos quando a cineasta
participou de projeto em uma
prisão tcheca para menores de
idade, em 1988. Fez quatro filmes, sobre quatro meninos delinquentes -um deles terminou com o roubo ao apartamento da diretora, em 1992,
um "presente" de René.
"Achei aquilo fora do comum. Seria uma pena parar de
observar um personagem desses. Senti isso como um tipo de
mensagem", diz Helena, que visitou SP durante a semana para
participar do É Tudo Verdade,
que exibe seu filme hoje.
Ela então escolheu René para
o projeto de longo prazo. Registrou sua personalidade mudando (para pior), seu corpo se enchendo de tatuagens raivosas,
sua solidão aumentando e, finalmente, a publicação do primeiro dos três livros que escreveu na cadeia.
Apesar de dizer que nesse tipo de filme "o diretor não tem
nenhuma influência sobre o
objeto", Helena o ajudou, não
só dando a ele livros como levando a editoras os escritos de
René. "Eu tentava dar impulsos, mas a decisão era dele", diz.
Além do apoio "espiritual",
Helena deu a ele um cachê, "como se faz com qualquer ator",
para que recebesse suas visitas
dentro e fora da cadeia -mais
dentro do que fora, diga-se.
Até 2007, ano de conclusão
das filmagens, René não conseguia ficar mais do que alguns
meses em liberdade -como diz
Helena, ele "não atravessava a
rua para ganhar dinheiro", preferia roubar. Até os próprios livros ele furtou de uma biblioteca, certa vez, já que os tinha esquecido na cadeia.
Mas, após o lançamento do
filme na República Tcheca,
pouco depois de ser solto pela
última vez, René ainda não foi
preso de novo, um recorde.
"Ele está numa situação nova, diferente. De uma pessoa
desesperada, transformou-se
em herói. Chamou a atenção
principalmente das mulheres
que querem "salvar" esse tipo de
homem. Estou sentindo que ele
começa a redefinir sua relação
com o mundo", afirma Helena.
No momento, enquanto enfrenta uma esclerose múltipla
(ou tenta ignorá-la), o personagem viaja por seu país para divulgar o documentário e receber "pouco dinheiro, mas honesto", embora ninguém saiba
o quanto o respiro pode durar.
Helena, por sua vez, além de
divulgar "René" pelo mundo (o
filme já foi exibido em várias cidades da Europa, na Coreia e na
Argentina), trabalha em suas
próximas criações -por exemplo, um documentário que observou por 13 anos uma viciada
em drogas e outro, sobre moças
que estudaram enfermagem,
feito durante 20 anos.
RENÉ
Direção: Helena Trestikova
Onde: hoje, às 17h, e amanhã, às
19h, no Cinesesc
NO BLOG - Leia a íntegra da entrevista com Helena Trestikova folha.com.br/ilustradanocinema
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