São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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"FÁBIO MIGUEZ"

Pintura desintegra espaço de galeria

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Quando Henri Matisse transpõe o espaço de seu ateliê para a tela, em uma pintura de 1911, não reduz os elementos pictóricos como cor, linha e superfície ao motivo da pintura. A luz vem de cada cor distinta, mostra-se heterogênea. O trabalho evita um ponto de vista externo, que integre elementos tão díspares subjugando uns aos outros, como no naturalismo. A harmonia da pintura vem da convivência dessa polissemia.
O espaço do ateliê, no quadro, não almeja um análogo do olhar, quer um lugar mais vivo. Os elementos mostram-se ativos, com ritmos heterogêneos, mas harmônicos. Tal dinâmica, parece ser exemplar de uma busca da arte moderna em adensar espaços não artísticos.

Espaço fendido
Pelo caminho inverso, a instalação que Fábio Miguez mostra na galeria 10,20 x 3,60, também procura esta intensidade no espaço. O artista não leva o lugar para a pintura, mas estabelece a pintura no espaço.
Elementos, nitidamente pictóricos, caem nas três dimensões da galeria. Entretanto, o esforço de integração moderno, que restituía uma ordem inteiriça e potente, aqui passa longe.
Quando as diversas camadas de pintura atuam pulverizadas pela sala de exposição, o espaço parece ser fendido. Não bastasse a divisão que as duas lâminas de vidro fazem do espaço, as formas mais uniformes do trabalho também são fracionadas. Sugerem relações momentâneas e descontínuas, como se uma imagem integral tivesse se partido e suas partes estabelecessem relações provisórias.
É certo que, na pintura, Fábio Miguez sempre se encantou pelo efêmero, o circunstancial. Nos trabalhos de 1995 até 2001, as formas tendem a se tornar brancas, se esmaecem e vão perdendo suas marcas distintivas. Sugere-se uma perda progressiva da nitidez naquelas imagens.
Em fotografias, o artista nos revelava o encanto, de nuvens que obstruíam uma paisagem na curva de uma estrada ou da onda quebrando na pedra.
De certo modo, poderíamos dizer que sua instalação também insiste nas possibilidades desta visão ao mesmo tempo opaca e fluida. Só que aqui, a duração dessas forças disruptivas não é curta. O que era uma efemeridade nos outros trabalhos aqui é uma possibilidade de desintegração permanente, num espaço contaminado por interferências.
Quando as formas recorrentes do artista povoam as paredes, caem no chão e pairam nas duas lâminas de vidro, fica difícil ver aquela sala como um espaço íntegro. A pintura surge em diversas direções. Perde seu caráter frontal e articula formas em diversas dimensões do espaço.
Tudo aparece como parte do trabalho: o piso da galeria, os reflexos da forma e as linhas do vidro. A visão obstruída não é mais circunstancial, é um componente estrutural. O espaço que se desfaz. Aí o artista articula uma série de relações, paralelas que tentam articular possibilidades num lugar onde a consequência dos nossos atos às vezes escapam das nossas mãos.
Na conversa aleatória entre as formas e as interferências do trabalho, o espaço ganha vida. Somos postos diante de uma série de eventos paralelos e desierarquizados, onde a arte cintila por todos os lados, mesmo que, no próximo passo, ela suma de onde estava.


Fábio Miguez     
Artista: Fábio Miguez
Onde: galeria 10,20 x 3,60 (r. Jaguaribe, 262, Santa Cecília, região central, tel. 3362-0468)
Quando: de segunda a sexta, das 13h às 18h. Até 12/9
Quanto: entrada franca




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