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"FÁBIO MIGUEZ"
Pintura desintegra espaço de galeria
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Quando Henri Matisse
transpõe o espaço de seu ateliê para a tela, em uma pintura de
1911, não reduz os elementos pictóricos como cor, linha e superfície ao motivo da pintura. A luz
vem de cada cor distinta, mostra-se heterogênea. O trabalho evita
um ponto de vista externo, que
integre elementos tão díspares
subjugando uns aos outros, como
no naturalismo. A harmonia da
pintura vem da convivência dessa
polissemia.
O espaço do ateliê, no quadro,
não almeja um análogo do olhar,
quer um lugar mais vivo. Os elementos mostram-se ativos, com
ritmos heterogêneos, mas harmônicos. Tal dinâmica, parece ser
exemplar de uma busca da arte
moderna em adensar espaços não
artísticos.
Espaço fendido
Pelo caminho inverso, a instalação que Fábio Miguez mostra na
galeria 10,20 x 3,60, também procura esta intensidade no espaço.
O artista não leva o lugar para a
pintura, mas estabelece a pintura
no espaço.
Elementos, nitidamente pictóricos, caem nas três dimensões da
galeria. Entretanto, o esforço de
integração moderno, que restituía
uma ordem inteiriça e potente,
aqui passa longe.
Quando as diversas camadas de
pintura atuam pulverizadas pela
sala de exposição, o espaço parece
ser fendido. Não bastasse a divisão que as duas lâminas de vidro
fazem do espaço, as formas mais
uniformes do trabalho também
são fracionadas. Sugerem relações momentâneas e descontínuas, como se uma imagem integral tivesse se partido e suas partes estabelecessem relações provisórias.
É certo que, na pintura, Fábio
Miguez sempre se encantou pelo
efêmero, o circunstancial. Nos
trabalhos de 1995 até 2001, as formas tendem a se tornar brancas,
se esmaecem e vão perdendo suas
marcas distintivas. Sugere-se uma
perda progressiva da nitidez naquelas imagens.
Em fotografias, o artista nos revelava o encanto, de nuvens que
obstruíam uma paisagem na curva de uma estrada ou da onda
quebrando na pedra.
De certo modo, poderíamos dizer que sua instalação também insiste nas possibilidades desta visão ao mesmo tempo opaca e fluida. Só que aqui, a duração dessas
forças disruptivas não é curta. O
que era uma efemeridade nos outros trabalhos aqui é uma possibilidade de desintegração permanente, num espaço contaminado
por interferências.
Quando as formas recorrentes
do artista povoam as paredes,
caem no chão e pairam nas duas
lâminas de vidro, fica difícil ver
aquela sala como um espaço íntegro. A pintura surge em diversas
direções. Perde seu caráter frontal
e articula formas em diversas dimensões do espaço.
Tudo aparece como parte do
trabalho: o piso da galeria, os reflexos da forma e as linhas do vidro. A visão obstruída não é mais
circunstancial, é um componente
estrutural. O espaço que se desfaz.
Aí o artista articula uma série de
relações, paralelas que tentam articular possibilidades num lugar
onde a consequência dos nossos
atos às vezes escapam das nossas
mãos.
Na conversa aleatória entre as
formas e as interferências do trabalho, o espaço ganha vida. Somos postos diante de uma série de
eventos paralelos e desierarquizados, onde a arte cintila por todos
os lados, mesmo que, no próximo
passo, ela suma de onde estava.
Fábio Miguez
Artista: Fábio Miguez
Onde: galeria 10,20 x 3,60 (r. Jaguaribe,
262, Santa Cecília, região central, tel.
3362-0468)
Quando: de segunda a sexta, das 13h às
18h. Até 12/9
Quanto: entrada franca
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