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CRÍTICA
Longa é vítima da globalização que reflete
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Se eu tivesse de fazer um documentário sobre a cidade de
São Paulo, provavelmente carregaria a mão nos contrastes visuais: os prédios da Berrini e as favelas ali perto, as baladas e os
mendigos, o shopping Iguatemi e
algum boteco de periferia. A cidade registrada pelos cineastas de
"Bem-Vindo a São Paulo" -quase 20 e quase todos estrangeiros- é bem mais homogênea,
desanimada e quieta.
Nesta colagem de curtas, predominam as imagens do centrão,
com prédios caindo aos pedaços,
gente parada nos bancos de praça,
bancas de feira sendo armadas de
madrugada. "Aquário", do malaio Tsai Ming-liang, focaliza a célebre favela vertical do edifício
São Vito. "Novo Mundo", de Jim
McBride, destaca as velhas casas
do Bexiga.
O interior da catedral da Sé, a
imobilidade de um domingo no
Anhangabaú e a incansavelmente
citada esquina da Ipiranga com a
São João sucedem-se com melancolia nos trechos assinados, respectivamente, pelo australiano
Phillip Noyce, pelo finlandês Mika Kaurismäki e pela portuguesa
Maria de Medeiros.
Os episódios são intercalados
por comentários bastante banais
a respeito dos males da globalização, do genocídio indígena e da
destruição do ambiente, lidos
com algum desânimo por Caetano Veloso.
Fotos antigas do centro da cidade são superpostas, com bons
efeitos de computador, a imagens
dos dias atuais. A idéia seria mostrar a rapidez das transformações
urbanas, a voracidade do progresso etc.
Aos olhos dos estrangeiros,
contudo, a imagem de uma "Paulicéia desvairada" faz pouco sentido. Quem mais explora as ironias
da cidade é o alemão Wolfgang
Becker (de "Adeus, Lênin"), que
filma a correria da 23 de Maio,
contrastando-a (sempre a volta
ao passado) com um sebo de discos em Pinheiros.
Não faltam obviedades de simbologia: para um falante de língua
inglesa, um outdoor de calcinhas
Hope (esperança) em meio ao cenário urbano degradado parecerá
uma descoberta sutil. Para quem
passa todo dia pelo Minhocão, o
efeito é bem menor.
"Bem-Vindo a São Paulo" termina, assim, vitimado pela globalização de que é reflexo. A contribuição de Kiju Yoshida (uma longa entrevista em japonês com
uma garçonete sansei) terá provavelmente interesse para o público
de seu país, mas cai no vazio para
o espectador brasileiro.
Volta e meia topamos com cenas -um catador de papel com
seu cachorro, tomates na feira, a
água da chuva nas calçadas- aos
quais os diretores parecem ter
atribuído profunda e lírica significação, que entretanto nos escapa.
O melhor de "Bem-Vindo a São
Paulo" -além da exata e graciosa
música de André Abujamra- está nos trechos dos autores brasileiros. Em "Esperando Abbas",
Leon Cakoff conduz uma engraçada e pungente entrevista com
um morador de rua, que havia sido filmado por Abbas Kiarostami
anos atrás.
Em "Odisséia", a carioca Daniela Thomas alterna cenas do Minhocão de dia e de noite, num domingo e durante a semana: eis
uma pequena proeza de utopia e
de denúncia, construída com simplicidade e concisão. Em momentos assim, infelizmente raros, o
valor estético de "Bem Vindo a
São Paulo" se impõe.
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