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"VARIAÇÃO"
Lara Pinheiro coloca em cena a voracidade
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
O reflexo do espelho tem
mil faces, das mais vorazes
às mais sutis. "Variação", dirigida
por Lara Pinheiro, que estreou
quarta passada no Centro Cultural São Paulo, coloca em cena "a
relação entre imagem pessoal,
idealizações e identidades". O espetáculo faz parte da série "Semanas de Dança" e divide a noite
com "Alfredo", da Cia Druw.
"Variação" é uma criação conjunta de Lara Pinheiro e Gabriela
Gonçalves, duas intérpretes com
características muito pessoais e
tempos de dança diferentes, o que
cria um contraponto interessante
em cena. Os movimentos vão da
avidez e sofreguidão do encontro
às minúcias e mistérios da solidão
-dois pólos, livremente inspirados na leitura de "Palomar", de
Italo Calvino (1923-85).
A trilha musical (To Rococo Rot
e I. Sound) é mais um elemento
dessa trama: dança e música dialogam, e o silêncio, ou o som dos
gestos faz parte integral das cenas.
À esquerda do palco fica um jogo duplo de espelhos, marcando
um quadrado no chão; no alto, à
direita, contrapõe-se a ele um
quadrado de luz vermelha. Mais
duas cadeiras e um sofá compõem todo o cenário que, assim
como a música, tem parte marcante na coreografia. Cada ação
das bailarinas intervém no espaço
de determinada maneira e estabelece novas relações com o redor.
Movimentos e sensações são reestruturados, então, de acordo com
o material, o lugar, o volume e o
espaço, afetando as relações entre
as intérpretes e de cada uma com
seu próprio movimento.
Dançando e se deslocando sobre o espelho os gestos são íntimos, numa conversa delicada
com a própria imagem, que às vezes se vê da platéia, às vezes não.
Fora desse limite, os gestos ganham amplitude e força. O ponto
alto do espetáculo é o solo de Lara
Pinheiro entre os objetos: ali vem
à mostra seu trabalho coreográfico com as dobradiças do corpo,
valorizando os contrapesos e a
fluidez de movimentos.
Já a repetição final de Gabriela
Gonçalves -lançando-se sobre
Pinheiro, que a joga no sofá, que
cai no chão e assim, pinabauschescamente por diante, com ou
sem sofá- pode acabar sugerindo mesmo uma queda no vazio.
Quer dizer: a cena destoa do que o
espetáculo nos ensinou a esperar.
Ou será que é outro espelho?
Uma das provocações de "Variação" é variar nosso próprio ponto
de vista, que pode se tornar ponto
de fuga. Ou ponto de interrogação. Ou, ainda, de exclamação,
como as bailarinas merecem.
"Alfredo", da Cia. Druw, já foi
brevemente comentado na Folha
(em fevereiro). Com humor e ironia, a coreografia explora a relação com um personagem imaginário. Quem está por trás, ou no
fundo, ou por dentro, ou que metáfora for para indicar o que em
nós se esconde de nós, e em nós
nos forma? A pergunta invoca
não só os fantasmas da psicanálise, mas os da própria dança. Seja
quem for, amadureceu do início
do ano para cá.
Entre espelhos e fantasmas, a
dança paulista vai construindo
suas sutilezas, com salutar voracidade.
Variação
Onde: Centro Cultural São Paulo (r.
Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611)
Quando: de qua. a sáb., às 21h; dom., às
20h (última apresentação)
Quanto: de R$ 4 a R$ 8
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