São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2010

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Bacon inspira destaques de festival

Série de fotografias e coreografia desta edição do Cultura Inglesa visitam universo soturno e distorcido do pintor irlandês

Outros destaques da 14ª edição, como a animação "Tempestade" e uma instalação, são inspirados em canções dos Beatles


SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Sorte dos britânicos de ter vivido em Londres um artista como Francis Bacon. A histeria nervosa do pintor, traduzida em suas telas em corpos contorcidos, carcaças animais e rostos desfigurados, é chave de dois dos maiores destaques da 14ª edição do Cultura Inglesa Festival, série de exposições de artes plásticas, teatro, dança e cinema que começa hoje.
"Bacon tem sido uma figura constante no festival", diz Laerte Mello, diretor de programação, à Folha. "Ele acabou ficando popular por aqui."
Com a premissa de que os trabalhos mostrados no festival precisam ter raiz conceitual em artistas ou questões britânicas, Bacon, irlandês radicado na Inglaterra, é mote favorito agora. Também há espaço para os surrados Beatles e Shakespeare -acaso feliz de o Reino Unido ter arrolado em sua história um casting expressivo para esse tipo de proposta.
Logo na entrada do Centro Brasileiro Britânico, em Pinheiros, está uma tradução fotográfica das pinturas de Bacon. Edouard Fraipont mostra uma série de imagens de um casal que se contorce na cama. Analógicas, resultado de exposições de até 15 minutos, são fotografias com peso de quadro. Texturas e detalhes sob luz controlada, soturna, parecem galgar a densidade da tinta.
"Ele construía a pintura dele e criava acidentes, acasos dentro do quadro", descreve Fraipont. "Também criei acidentes com o corpo dessa construção."
Tanto em Bacon quanto nessa releitura de Fraipont, é um erotismo sujo que está em jogo. Não é o erótico do sexo, mas de Eros, pulsão de vida que se debate aqui num amálgama de pele agitada, flagelo amoroso. "É um pouco histérico, nervoso", resume Fraipont. "Não é um erotismo atraente."
Nos retratos, rostos distorcidos, com olhos e bocas que se confundem, Fraipont retoma aspectos cubistas e expressionistas do trabalho de Bacon.
Foi, aliás, um retrato do pintor, em pé diante de duas carcaças de porco penduradas do teto, que levou à construção da coreografia "Um Porco Sentado", maior destaque de dança desta edição do festival.
Roberto Alencar e Renata Aspesi traduzem a imagem de John Deakin em que a carne suína parece ser asas nas costas de Bacon, numa coreografia sem narrativa nem trilha sonora. "Toda sensação é nova, causa estranheza", diz Laerte Mello. "É quase uma instalação."
E se a dança se apropria das artes visuais, o artista Carlos Nunes usa a música dos Beatles para fazer dançar um conjunto de balões numa caixa de acrílico. São pontos coloridos que flutuam sobre ondas sonoras do disco "Yellow Submarine", desenho clássico que terá um remake feito pela Disney.
Trocando de álbum, a animação "Tempestade", toda feita com massinha de modelar, estrutura sua narrativa em torno dos versos de "Eleanor Rigby".
Fora da música, obras do artista João Loureiro relembram Phillip King, Tim Scott e William Tucker, trio que revolucionou a escultura no Reino Unido nos anos 60 com cores vivas e materiais industriais.
Loureiro recria obras deles a partir de fotografias em preto e branco de uma exposição clássica em Londres. Mas o truque é mecânico: as obras, montadas sobre motores, vão se mexer para sublinhar a instabilidade entre real e reprodução.


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